Acordei com o cheiro a antissético. Uma luz branca e forte feria os meus olhos. Estava num quarto de hospital. A minha mãe estava sentada numa cadeira ao lado da cama, com o rosto inchado de tanto chorar.
Tentei falar, mas a minha garganta estava seca e dorida. A primeira coisa que fiz foi levar a mão à minha barriga.
Estava lisa. Vazia.
O meu bebé. Onde estava o meu bebé?
A minha mãe viu o meu pânico. Segurou a minha mão, as lágrimas a escorrerem pelo seu rosto. "Laura, minha querida... os médicos fizeram tudo o que podiam."
Um frio percorreu o meu corpo. Um frio que nada tinha a ver com a temperatura do quarto.
"Devido à inalação de fumo... houve complicações. O bebé... ele não sobreviveu," disse ela, a voz a falhar.
Eu não chorei. Não gritei. Apenas fiquei a olhar para o teto branco. O alarme de incêndio ainda ecoava na minha cabeça, misturado com a voz fria de Miguel. "Para de ser dramática."
A porta abriu-se e Miguel entrou. Ele parecia cansado, mas não devastado. Tinha olheiras, mas os seus olhos estavam claros. Ele aproximou-se da cama.
"Laura, estás bem? Fiquei tão preocupado."
A sua voz era suave agora, cheia de uma preocupação que não existia horas antes.
"Onde estavas?" perguntei, a minha voz era um sussurro áspero.
"Com a Sofia, eu disse-te. O tornozelo dela estava muito inchado, tivemos de esperar horas por um raio-x. Assim que saí de lá, vim a correr."
Ele nem sequer mencionou o bebé. Talvez ainda não soubesse. Ou talvez simplesmente não se importasse.
"O nosso filho morreu, Miguel."
Ele ficou em silêncio por um momento. O seu rosto contraiu-se numa expressão que parecia mais irritação do que tristeza. "Eu sei. A tua mãe disse-me. É uma tragédia. Mas estas coisas acontecem."
"Acontecem? Eu liguei-te, Miguel. Eu pedi ajuda."
"E eu disse-te para ligares para os bombeiros! O que querias que eu fizesse? Abandonasse a minha irmã que estava a sofrer? Eu não sou um bombeiro, Laura!"
A sua voz subiu de tom, a sua falsa preocupação a desaparecer, revelando a raiva por baixo.
"Ela torceu o tornozelo," repeti eu, a dormência a começar a transformar-se em algo duro e afiado dentro de mim. "Eu estava a sufocar."
"Já chega," ele disse, passando a mão pelo cabelo. "Já perdemos o bebé, não vamos começar a culpar-nos um ao outro. Temos de ser fortes. Pela Sofia também, ela está muito abalada com a notícia."
Olhei para ele. Para o homem com quem me casei. O homem que prometeu proteger-me. Naquele momento, eu não senti amor. Não senti tristeza. Senti apenas um vazio gelado e uma decisão a formar-se.
"Quero o divórcio."