Miguel olhou para mim como se eu tivesse enlouquecido.
"Divórcio? Estás a falar a sério? Acabámos de perder um filho e estás a pensar em divórcio? Que tipo de pessoa insensível és tu?"
A sua indignação era tão genuína que por um segundo quase me fez duvidar de mim mesma. Mas depois lembrei-me do som da chamada a desligar.
"O tipo de pessoa que não quer passar o resto da vida com um homem que a deixou para morrer," respondi calmamente.
"Eu não te deixei para morrer! Isso é ridículo!"
A minha mãe, que tinha estado em silêncio até então, levantou-se. "Miguel, talvez seja melhor saíres. A Laura precisa de descansar."
"Não," ele disse, apontando um dedo para mim. "Vamos resolver isto agora. Estás a ser histérica por causa do trauma. Não estás a pensar com clareza."
"Estou a pensar com mais clareza do que nunca," disse eu. "O nosso casamento acabou no momento em que escolheste a tua irmã em vez de mim e do teu filho."
Ele riu, um som amargo e incrédulo. "A minha irmã? Ela é a minha família! Ela não tem mais ninguém! Tu sempre tiveste ciúmes da Sofia, isto é só uma desculpa para a atacares!"
Lembrei-me de todas as vezes que ele cancelou os nossos planos porque a Sofia "precisava" dele. O jantar de aniversário que perdemos porque ele teve de a levar a comprar um telemóvel novo. As férias que adiámos porque ela terminou com o namorado e ele teve de a "consolar".
Eu não tinha ciúmes. Eu estava cansada. Cansada de ser sempre a segunda opção.
"Isto não tem a ver com ciúmes, Miguel. Tem a ver com prioridades. E as tuas nunca me incluíram."
O telemóvel dele tocou. Ele olhou para o ecrã. Era a Sofia. Ele atendeu imediatamente.
"Sofia? Sim, estou no hospital... Não, ela está bem. Um pouco abalada, mas vai recuperar... Sim, claro. Digo-lhe. Descansa. Também te adoro."
Ele desligou e olhou para mim, o seu rosto endurecido. "A Sofia manda-te os pêsames. E diz para não te preocupares, que ela vai ajudar-nos a superar isto."
A ironia era tão espessa que me sufocava mais do que o fumo.
"Sai," disse eu, a minha voz sem emoção. "Pega nas tuas coisas e sai da nossa casa. Vou contactar um advogado amanhã."
Miguel olhou para mim, depois para a minha mãe, como se esperasse que alguém me fizesse entrar na razão. Mas a minha mãe apenas me abraçou.
Ele saiu do quarto a bater a porta. O som ecoou no silêncio. E pela primeira vez desde que acordei, eu chorei. Chorei não pelo meu filho perdido, mas pela minha vida perdida. E pela raiva que começava a queimar onde antes havia dor.