O funeral do Pedro foi num dia cinzento e frio.
Havia poucas pessoas. Eu, o Leo, a família dele. Os meus pais não puderam vir, vivem demasiado longe.
A Helena e a Sofia vestiam um luto impecável, mas os seus olhos estavam secos.
Elas falavam em voz baixa sobre o quão forte o Leo estava a ser. Sobre como a vida tinha de continuar.
"Vocês são novos", disse a Helena, pondo uma mão no meu ombro. O toque dela era gelado. "Podem tentar outra vez quando a Clara estiver melhor."
Tentar outra vez. Como se o Pedro fosse um prato que se partiu e que podia ser substituído.
O Leo ficou ao meu lado durante a cerimónia, a mão dele nas minhas costas. Era um gesto vazio, para as aparências.
Ele não chorou. Olhava para a pequena urna branca com uma expressão distante, quase aborrecida.
Quando tudo acabou, no carro, a caminho de casa, ele tentou pegar na minha mão.
"Vamos superar isto, amor. Juntos."
Eu puxei a minha mão.
O silêncio no carro era mais pesado que qualquer palavra.
Chegámos a casa. A primeira coisa que vi foi a porta do quarto do bebé, entreaberta.
Tudo lá dentro estava perfeito. O berço montado, as roupinhas dobradas, o peluche que eu comprei no outro dia em cima da almofada.
Um santuário para uma vida que nunca começou.
Eu parei à porta, incapaz de entrar.
O Leo passou por mim, suspirando.
"Temos de arrumar isto tudo. Não nos vai fazer bem olhar para isto todos os dias."
Ele tinha razão. Mas a forma como ele o disse, tão prática, tão fria, fez-me um nó no estômago.
Não havia dor na voz dele. Apenas a vontade de apagar um incómodo.
Eu não disse nada. Apenas assenti.
Naquela noite, enquanto ele dormia profundamente ao meu lado, eu fiquei de olhos abertos a olhar para o teto.
A decisão formou-se na minha mente, clara e afiada como um caco de vidro.
Não haveria "juntos". Não haveria "tentar outra vez".
Isto tinha acabado.