O cheiro a queimado acordou-me.
Abri os olhos, confusa, e vi uma névoa cinzenta a entrar por baixo da porta do quarto. O alarme de incêndio do prédio começou a soar, um grito agudo e intermitente que me gelou o sangue.
"Mãe!" gritei, sentando-me na cama com um esforço. A minha barriga de nove meses pesava, um obstáculo sólido e pesado.
A minha mãe, Helena, entrou a correr no quarto, o rosto pálido de pânico.
"Clara, o prédio está a arder. Temos de sair daqui."
Corremos para a porta da sala, mas uma onda de calor e fumo denso barrou-nos o caminho. A porta do nosso vizinho do outro lado do corredor já estava a ser lambida por chamas. Estávamos presas no décimo segundo andar.
Peguei no meu telemóvel com as mãos a tremer e liguei para o meu marido, Leo.
"Leo, graças a Deus! O nosso prédio está a arder! Estamos presas no apartamento!"
"O quê? Clara, mantém a calma. Eu estou aqui em baixo, na rua. Já chamei os bombeiros. Onde é que vocês estão?"
A sua voz, normalmente calma, estava tensa.
"Estamos no apartamento! O corredor está cheio de fogo. Não conseguimos sair!"
"Ok, ok, fiquem longe da porta. Vão para a varanda. Eu vou já dizer aos bombeiros onde vocês estão. Vou subir."
A esperança acendeu-se dentro de mim. Ele estava aqui. Ele ia salvar-nos.
Mas, de repente, ouvi outra voz ao fundo, abafada mas reconhecível. Era a Sofia, a sua meia-irmã. Ela estava a chorar histericamente.
"Leo, estou com tanto medo! O fumo está a entrar por todo o lado! Estou no oitavo andar! Ajuda-me, por favor!"
O meu coração parou por um segundo. A Sofia vivia no mesmo prédio, quatro andares abaixo de nós.
Houve uma pausa na linha. Eu conseguia quase sentir a hesitação do Leo.
"Leo?" chamei, a voz fraca.
"Clara, ouve," disse ele, a sua voz agora distante, apressada. "A Sofia está em pânico, ela tem ataques de ansiedade. O andar dela está mais perto do fogo. Eu preciso de ir ter com ela primeiro. É mais rápido. Vocês estão mais alto, o fogo demora mais a chegar aí. Fiquem na varanda e esperem por mim."
Antes que eu pudesse processar as suas palavras, ele desligou.
O telemóvel caiu da minha mão.
Ele escolheu-a.
Ele escolheu ajudar a sua meia-irmã primeiro.
Eu, a sua mulher grávida de nove meses, e a minha mãe, teríamos de esperar.