Leo só apareceu duas horas depois.
Ele entrou no quarto, seguido pelo pai dele, Jorge. O Leo cheirava a fumo, o cabelo estava uma desordem e tinha fuligem no rosto. Parecia exausto, mas ileso.
"Clara! Meu Deus, estás bem?" correu ele para a cama. "Eu estava tão preocupado. Foi um caos lá em baixo."
Ele tentou pegar na minha mão, mas eu afastei-a.
Olhei para ele, para o homem com quem me casei, o pai do meu filho morto. Não senti nada. Apenas um vazio frio e vasto.
"Onde estiveste, Leo?" perguntei, a minha voz era um sussurro rouco.
Ele recuou, surpreendido pela minha frieza.
"Eu disse-te. Fui ajudar a Sofia. Ela estava a ter um ataque de pânico, não conseguia respirar. O andar dela estava um caos. Tive de a levar pelas escadas de emergência. Depois tentei voltar para cima, mas os bombeiros não me deixaram passar."
Ele falava depressa, a justificar-se, a evitar o meu olhar.
O pai dele, Jorge, que também era o novo marido da minha mãe, interveio.
"Clara, o Leo fez o que qualquer pessoa decente faria. A Sofia estava sozinha e em perigo iminente. Vocês as duas estavam juntas. Ele tomou uma decisão difícil numa situação impossível."
A sua voz era severa, como se eu fosse uma criança a fazer uma birra.
Olhei para a minha mãe, que observava o marido com uma expressão de pura incredulidade.
Ignorei o Jorge e mantive os meus olhos no Leo.
"Ela estava em perigo iminente? E nós? Uma mulher grávida de nove meses e a mãe dela, presas num andar superior, com o fogo a subir. Isso não era perigo iminente?"
"Claro que era," disse o Leo, impaciente. "Mas eu tive de fazer uma escolha! Pensei que vocês tinham mais tempo!"
"Tu desligaste o telefone na minha cara," afirmei, sem emoção. "Eu liguei-te dezoito vezes. Dezoito. E tu não atendeste."
Ele teve a decência de parecer envergonhado por um momento.
"Eu estava a carregar a Sofia, o meu telemóvel estava no bolso. Não ouvi."
Mentiras. Tudo mentiras.
Respirei fundo, o ar a arranhar a minha garganta dorida.
"Leo, eu quero o divórcio."