O Diário Que Virou o Jogo
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Capítulo 1

O cheiro a desinfetante no hospital era forte, quase me sufocava.

Olhei para o meu reflexo na janela escura do quarto. O meu rosto estava pálido, sem cor.

O meu marido, Leo, não estava aqui.

A minha sogra, Inês, estava sentada no sofá, a olhar para o telemóvel com uma expressão sombria.

Acabei de perder o nosso filho. Um aborto espontâneo.

O médico disse que foi por excesso de trabalho e stress.

"Leo está a caminho?" perguntei, a minha voz era um sussurro rouco.

Inês nem sequer levantou a cabeça.

"Ele está ocupado. A empresa tem uma reunião importante hoje, não pode faltar."

Uma reunião.

Mais importante que o filho que acabámos de perder. Mais importante que a esposa dele, que está sozinha num quarto de hospital.

Senti um frio percorrer o meu corpo, mais gelado que o chão do hospital.

Peguei no meu telemóvel, as minhas mãos tremiam. Disquei o número de Leo.

Chamou, chamou, e depois foi para o correio de voz.

"Leo, onde estás? Preciso de ti."

Enviei a mensagem, mas a resposta que recebi não foi dele.

Foi uma notificação de uma rede social. Uma fotografia.

A irmã mais nova de Leo, a Sofia, publicou uma foto.

Ela, Leo e os pais dele estavam a sorrir para a câmara num restaurante caro. A legenda dizia: "A celebrar o novo contrato do meu irmão! Família em primeiro lugar!"

A foto foi tirada há dez minutos.

Família.

Aparentemente, eu não fazia parte dela.

O meu coração sentiu-se pesado, uma dor surda instalou-se.

Liguei outra vez. Desta vez, ele atendeu. A sua voz estava irritada, impaciente.

"O que foi, Ana? Estou no meio de uma celebração importante!"

"Celebração?" A minha voz tremeu. "Leo, eu... eu perdi o bebé."

Houve um silêncio do outro lado. Não um silêncio de choque ou tristeza. Era um silêncio de aborrecimento.

"Eu sei. A minha mãe já me disse. Olha, não faças um drama por causa disto. Já aconteceu. És jovem, podemos tentar outra vez."

"Não faças um drama?" Repeti as palavras dele, incrédula. "Leo, era o nosso filho."

"E o que queres que eu faça? Chore? Cancele uma reunião de milhões de euros por algo que já não pode ser mudado? Sê razoável, Ana."

"Razoável." A palavra saiu da minha boca com um sabor amargo.

"Sim, razoável. Olha, tenho de ir. Falamos mais tarde."

Ele desligou.

Assim, sem mais nada.

Olhei para a minha sogra. Ela finalmente levantou os olhos do telemóvel, o seu olhar era frio como gelo.

"Não o incomodes. Ele tem coisas mais importantes para fazer do que ouvir as tuas lamúrias. Uma mulher deve saber o seu lugar e não ser um fardo."

Um fardo.

Era isso que eu era. Um fardo que tinha acabado de perder o filho deles.

O meu telemóvel vibrou novamente. Era uma mensagem de Leo.

"A Sofia está muito feliz com o contrato. Não estragues o ambiente com as tuas emoções. Comporta-te."

As lágrimas que eu estava a segurar finalmente caíram, quentes e silenciosas, a escorrer pelo meu rosto pálido.

Eu não queria mais isto. Eu não podia mais viver assim.

Limpei as lágrimas com as costas da mão.

"Inês," disse eu, a minha voz surpreendentemente firme. "Diga ao seu filho que quero o divórcio."

            
            

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