"Ingrata! O meu filho trabalha dia e noite para te dar do bom e do melhor, e é assim que lhe agradeces? Causando problemas num momento tão importante?"
Ela aproximou-se da cama, o seu dedo apontado para o meu rosto.
"És uma desilusão. Nem sequer conseguiste levar uma gravidez até ao fim. És inútil."
Cada palavra dela era um golpe.
Mas eu já não sentia a dor aguda de antes. Era uma dormência fria.
O meu telemóvel tocou. Era o meu pai. Atendi imediatamente.
"Ana, filha? Como estás? A tua mãe contou-me. Estou a ir para aí."
A voz calorosa e preocupada do meu pai foi a primeira gota de bondade que senti em horas.
"Pai, estou bem," menti, a minha voz a falhar.
Inês ouviu e bufou.
"Claro, vai a correr para o teu paizinho. A tua família de falhados é a única que te atura."
Antes que eu pudesse responder, a porta do quarto abriu-se.
Era Leo. A sua cara estava vermelha de raiva. Ele deve ter corrido do restaurante.
Ele marchou até mim, ignorando completamente o meu estado.
"Que raio se passa contigo, Ana? Divórcio? Estás a falar a sério?"
A sua voz era alta, enchendo o pequeno quarto.
"Nunca estive tão séria em toda a minha vida," disse eu, olhando-o nos olhos.
"Porquê? Porque não larguei tudo para vir a correr para aqui? Já te disse, não havia nada que eu pudesse fazer! O bebé já se tinha ido!"
Ele disse "o bebé" como se estivesse a falar de uma encomenda perdida.
"Não é por isso, Leo. É por tudo. É porque tu não te importas."
"Eu não me importo? Eu dou-te uma casa, um carro, dinheiro! O que mais queres?"
"Eu queria um marido," disse eu, a minha voz a quebrar. "Queria um parceiro. Queria o pai do meu filho ao meu lado."
Leo riu, um som seco e sem humor.
"És tão dramática. Sempre a fazer uma tempestade num copo de água."
Ele olhou para a mãe. "Mãe, deixa-nos a sós."
Inês lançou-me um olhar vitorioso e saiu, fechando a porta atrás de si.
Leo sentou-se na beira da cama. A sua expressão suavizou-se, mas os seus olhos continuavam frios. Era uma atuação.
"Ouve, Ana. Eu sei que estás abalada. É normal. Mas falar em divórcio é um exagero."
Ele tentou pegar na minha mão, mas eu afastei-a.
"Não é um exagero. É a minha decisão."
A sua paciência esgotou-se instantaneamente.
"Não sejas ridícula. Não te vou dar o divórcio. Vais para casa, descansas e esqueces esta estupidez. A nossa família não precisa deste escândalo."
"A tua família," corrigi. "Eu já não faço parte dela."
Ele levantou-se, a sua mandíbula cerrada.
"Vais arrepender-te disto, Ana. Vais ver."
Ele virou-se e saiu, batendo a porta com força. O som ecoou no silêncio do quarto.
Fiquei sozinha, a olhar para a porta fechada.
Não, Leo.
Pela primeira vez em muito tempo, eu tinha a certeza de que não me ia arrepender.