Ana, traumatizada pela perda do nosso bebé, encontro-me no quarto gelado do hospital.
O cheiro a desinfetante sufoca-me.
O meu rosto no reflexo da janela está pálido, sem cor.
Leo, o meu marido, não está aqui.
A sua mãe, Inês, senta-se impassível, absorta no telemóvel.
Acabei de sofrer um aborto espontâneo. O médico disse que foi por stress.
Liguei a Leo, as mãos a tremer. Chamou, chamou, e depois foi para o voicemail.
Minutos depois, uma notificação. A irmã de Leo, Sofia, publica uma foto: ela, Leo e os pais dele, sorridentes, num restaurante caro. "A celebrar o novo contrato do meu irmão! Família em primeiro lugar!" A foto foi tirada há dez minutos.
Família. Aparentemente, eu não fazia parte dela.
Quando finalmente atende, a voz rouca de raiva.
"Eu sei. A minha mãe já me disse. Olha, não faças um drama por causa disto. Já aconteceu. És jovem, podemos tentar outra vez."
«Não faças um drama?» Repeti, incrédula. «Leo, era o nosso filho!»
Ele desligou. Foi então que a minha sogra Inês levantou os olhos do telemóvel, o olhar gélido.
"Não o incomodes. Ele tem coisas mais importantes para fazer do que ouvir as tuas lamúrias. Uma mulher deve saber o seu lugar e não ser um fardo."
Um fardo. Era isso que eu era. Um fardo que perdera o seu filho.
As lágrimas desceram, mas a dor transformou-se em algo frio e afiado.
"Inês," disse eu, a minha voz surpreendentemente firme. "Diga ao seu filho que quero o divórcio."
Quando Leo atacou a vida do meu pai para me punir, percebi que não havia mais volta.
Se ele queria guerra, eu dar-lhe-ia uma.
Mas esta guerra, eu não a lutaria sozinha. Eu tinha uma arma que ele nunca esperaria.
O diário da irmã dele.