Passei os dias seguintes num nevoeiro de dor e burocracia.
Assinar papéis. Falar com médicos. Organizar um funeral para um bebé que nunca conheci.
A minha mãe veio de outra cidade para ficar comigo. O seu abraço silencioso foi a única coisa que me deu algum conforto.
O Pedro tentou ligar dezenas de vezes. Envieu mensagens. Apareceu à porta do meu apartamento.
Eu não atendi. Não respondi. Pedi à minha mãe para lhe dizer que fosse embora.
Uma semana depois do funeral, ele apareceu no meu trabalho.
Eu sou designer de interiores e estava a tentar voltar à normalidade, a focar-me num projeto para um novo café.
Ele esperou por mim no estacionamento.
"Inês, precisamos de conversar."
Eu continuei a andar em direção ao meu carro.
"Não temos nada para conversar, Pedro."
Ele bloqueou o meu caminho.
"Por favor. Eu estou a sofrer tanto como tu."
"Não, não estás", disse eu, olhando-o nos olhos. "Tu não o sentiste a mexer dentro de ti. Tu não passaste por um trabalho de parto para dar à luz o silêncio."
A sua expressão vacilou.
"Isso não é justo."
"Justo? Queres falar sobre o que não é justo? O nosso filho está morto, Pedro. E tu estavas a segurar a mão de outra mulher."
"Ela estava em choque! O carro dela estava destruído!"
"E eu? O que é que eu estava? Numa festa?"
A minha voz subiu de tom, atraindo os olhares de algumas pessoas que passavam.
"Eu cometi um erro", admitiu ele, a sua voz a quebrar. "Eu sei. Eu devia ter estado contigo. Eu arrependo-me todos os dias."
"O teu arrependimento não o traz de volta."
Abri a porta do meu carro, mas ele segurou o meu braço.
"Podemos superar isto. Juntos. Podemos tentar de novo."
Tentar de novo? Como se um bebé fosse algo que se pudesse substituir?
Puxei o meu braço com força.
"Nunca mais me toques. Acabou. Fica com a Ana. Fica com a tua mãe. Fiquem todos juntos e deixem-me em paz."
Entrei no carro e tranquei as portas.
Ele bateu no vidro, a sua cara contorcida em desespero.
"Inês! Eu amo-te!"
Liguei o motor, o som a abafar as suas palavras.
Enquanto me afastava, vi-o pelo espelho retrovisor, parado no meio do estacionamento, uma figura de derrota.
Não senti pena.
Senti apenas um alívio frio.