Desliguei a chamada.
As suas palavras ecoaram na minha cabeça, misturando-se com o som da chuva lá fora.
Eu era a problemática. Eu era a indecente.
Sentei-me no sofá da sala vazia. A casa estava silenciosa, cheia de memórias do meu pai. Cada canto guardava uma recordação dele a rir, a ler o jornal, a chamar o meu nome.
Agora, só havia silêncio.
Peguei numa fotografia nossa na prateleira. Foi tirada no meu aniversário do ano passado. Estávamos os dois a sorrir, os seus braços à volta dos meus ombros. Ele parecia tão vivo, tão cheio de força.
Uma lágrima escorregou pela minha bochecha.
O telemóvel da minha madrasta tocou novamente. Desta vez, era a Laura. Deixei tocar. Não tinha forças para ouvir mais acusações.
Pouco depois, ouvi a porta da frente a abrir-se. Sofia e Laura entraram, as suas vozes baixas e preocupadas.
"Ela não atende," disse Laura. "Será que aconteceu alguma coisa?"
"Ela está apenas a ser dramática, querida," respondeu Sofia, a sua voz falsamente doce. "A Inês sempre foi assim, precisa de atenção."
Elas entraram na sala e pararam quando me viram.
Sofia forçou um sorriso. "Inês, querida. Estávamos preocupadas. O tio do Pedro ligou, sabes? Ele está muito chateado."
Eu não respondi. Apenas continuei a olhar para a fotografia.
Laura aproximou-se, sentando-se cautelosamente na beira do sofá. "Inês, eu sei que estás a passar por um momento difícil. Mas o Pedro também está. Ele considerava o teu pai como um segundo pai. Ele só estava a tentar ser forte por todos nós."
"Forte por todos vós," repeti, a minha voz vazia de emoção. "Mas não por mim."
"Isso não é justo," disse Laura, a sua voz a ganhar um tom defensivo. "Eu estava em choque. O Pedro ajudou-me. Tu estavas a lidar com as coisas à tua maneira. Ele pensou que precisavas de espaço."
"Espaço?", ri secamente. "Eu precisava do meu noivo. Mas ele estava demasiado ocupado a ser o teu herói."
Sofia interveio, a sua máscara de simpatia a cair. "Ouve, Inês. O teu pai não ia querer este disparate. Ele ia querer que te casasses com o Pedro, que tivesses uma família. O Pedro é um homem bom. Não o deites fora por um capricho."
"Um capricho?", levantei-me, a minha calma a quebrar-se. "O meu pai está morto! E o homem que eu ia desposar abandonou-me no seu funeral! Isto não é um capricho, é o fim!"
"Não sejas ridícula!", disse Sofia, a sua voz a subir. "Tu precisas do Pedro! O que vais fazer sozinha? Esta casa, as contas... o teu pai tratava de tudo. Achas que consegues gerir isto sozinha?"
As suas palavras eram calculadas, destinadas a assustar-me, a fazer-me sentir pequena e incapaz.
E por um momento, funcionou. O pânico apertou o meu peito. Como é que eu ia sobreviver a isto?
Mas depois olhei para a fotografia do meu pai novamente. Ele criou-me para ser forte, não para depender de ninguém.
"Eu vou descobrir," disse eu, a minha voz a encontrar uma nova força. "Mas não vou fazê-lo ao lado de um homem que não me respeita. E não vou viver sob o mesmo teto que vocês."
Os olhos de Sofia arregalaram-se. "O que estás a dizer? Esta é a minha casa!"
"Não," corrigi-a calmamente. "Esta era a casa do meu pai. E ele deixou-a para mim no testamento dele. Eu li-o esta manhã."
O silêncio que se seguiu foi pesado e cheio de choque. O rosto de Sofia passou de raiva para descrença pálida. Laura olhou para a mãe, depois para mim, completamente perdida.
"Vocês têm uma semana para encontrar outro lugar para viver."