Nos dias seguintes, a casa ficou terrivelmente silenciosa.
O eco das discussões tinha desaparecido, mas o vazio era quase tão mau.
Passei os dias a tratar da papelada do meu pai. Contas, seguros, o testamento. Havia uma montanha de burocracia para escalar, e cada assinatura parecia mais um adeus definitivo.
O advogado do meu pai, o Sr. Almeida, foi simpático e eficiente. Ele explicou-me tudo com paciência. A casa era minha, sem qualquer dúvida. Havia também algumas poupanças e investimentos, o suficiente para me manter por uns tempos enquanto eu decidia o que fazer.
Pedro cumpriu a sua palavra e ligou. Várias vezes.
Primeiro, as chamadas eram zangadas, cheias de acusações. Depois, tornaram-se suplicantes.
"Inês, por favor, vamos encontrar-nos. Eu cometi um erro. Eu estava confuso, sob pressão."
"Não, Pedro. Tu fizeste uma escolha," respondi, a minha voz monótona.
"Eu amo-te! Não podes deitar fora cinco anos da nossa vida!"
"Os últimos dias mostraram-me o que esses cinco anos realmente valeram," disse eu e desliguei.
Depois disso, ele começou a enviar mensagens. Longas, cheias de promessas. Ele ia mudar. Ele ia colocar-me em primeiro lugar.
Laura também me enviou mensagens, a dizer o quanto a mãe dela estava a sofrer, como elas estavam a viver num pequeno apartamento emprestado e como a culpa era toda minha.
Eu bloqueei os números deles. Todos eles.
Precisava de espaço para respirar, para sentir a minha própria dor sem a interferência do drama deles.
Uma semana depois de os ter expulsado, estava a arrumar o escritório do meu pai. Era a divisão mais difícil. A sua cadeira de couro ainda tinha a forma do seu corpo. A sua caneta preferida estava ao lado de um bloco de notas.
Abri uma das gavetas da sua secretária. Estava cheia de ficheiros antigos. Comecei a organizá-los, a deitar fora o que não era importante.
No fundo da gaveta, encontrei uma pequena caixa de madeira. Não a reconheci.
Hesitante, abri-a.
Dentro, não havia joias nem documentos importantes. Havia um maço de cartas, amarradas com uma fita desbotada, e um pequeno diário de capa de couro.
As cartas não eram para o meu pai. Eram do meu pai.
E eram dirigidas a uma mulher chamada Helena.
O meu coração começou a bater mais depressa. Quem era Helena? A caligrafia era inconfundivelmente a do meu pai. As datas eram de há mais de vinte e cinco anos, antes de ele conhecer a minha mãe.
A minha mão tremia enquanto eu desatava a fita. A primeira carta começava com "Minha querida Helena".
Li as cartas, uma por uma. Eram cartas de amor, cheias de paixão, de sonhos e de um futuro que eles planeavam juntos. Falavam de fugir, de começar uma nova vida longe de tudo e de todos.
A última carta era diferente. Estava manchada de lágrimas e a caligrafia era apressada, desesperada.
"Eles descobriram. O teu pai ameaçou-me. Ele disse que se eu não te deixasse, ele ia destruir a minha família. Eu não tenho escolha, meu amor. Tenho de te deixar ir. Perdoa-me. Eu vou amar-te para sempre. Teu, para sempre, Miguel."
Miguel. O nome do meu pai.
Senti um nó na garganta. O meu pai, o homem calmo e reservado que eu conhecia, tinha tido este amor épico e trágico.
Depois, peguei no pequeno diário. A capa estava gasta. Abri-o.
A caligrafia era diferente, mais arredondada, feminina. Pertencia a Helena.
As entradas contavam a mesma história, mas da sua perspetiva. A alegria do amor deles, o medo de serem descobertos, a dor da separação.
E depois, a última entrada.
"Ele foi-se embora. Ele deixou-me. E eu estou grávida. O meu pai vai matar-me. Não sei o que fazer."
A data era de cerca de nove meses antes do meu próprio aniversário.
O ar fugiu dos meus pulmões.
Grávida.
O meu pai teve outro filho? Uma filha? Um irmão ou irmã que eu nunca conheci?