Eu tremia, não só de frio, mas de uma dor que me consumia por dentro. Peguei no meu telemóvel e liguei ao Pedro. Precisava de ouvir a sua voz.
Ele estava mesmo ao meu lado, mas o seu telemóvel tocou no seu bolso. Ele olhou para o ecrã, franziu o sobrolho e rejeitou a chamada.
Eu olhei para ele, incrédula.
Ele nem sequer olhou para mim. Em vez disso, falou em voz baixa com a Laura.
"Estás bem? Estás a tremer. Queres o meu casaco?"
Laura fungou, os seus olhos vermelhos de tanto chorar. "Estou bem, Pedro. Só estou preocupada com a minha mãe. Ela não come nada desde ontem."
A voz de Laura era fraca e trémula. A minha madrasta, Sofia, abraçou-a com força.
"Oh, minha querida filha, o que seria de nós sem o Pedro? Ele tem sido a nossa rocha."
Uma rocha para eles. E para mim? O que era ele para mim? O noivo que ignorava a minha dor e as minhas chamadas?
Eu ri, um som amargo que se perdeu na chuva.
"Pedro," chamei, a minha voz rouca. "Vamos cancelar o casamento."
O silêncio caiu sobre eles. Pedro finalmente virou a cabeça na minha direção, a sua expressão era de pura irritação.
"Podes parar com o drama? O teu pai acabou de morrer. Não é altura para as tuas birras."
"Birras?", repeti, a palavra a saber a veneno. "O meu pai está morto, Pedro. E tu estiveste o tempo todo a consolar a Laura. Nem uma única vez me perguntaste se eu estava bem."
A sua raiva explodiu.
"Claro que a Laura precisa de apoio! Ela é sensível! Tu és sempre tão forte, achei que conseguias lidar com isto! Além disso, eu estive ocupado a tratar de tudo do funeral! Não podes ser um pouco mais compreensiva?"
"Compreensiva? Eu liguei-te dezassete vezes quando a ponte caiu. Dezassete. Tu não atendeste uma única. Estavas com a Laura, a acalmá-la porque ela viu as notícias e ficou em pânico."
"E qual é o problema disso? Ela estava a ter um ataque de pânico! O que querias que eu fizesse, que a deixasse sozinha para atender as tuas chamadas?"
A minha dor transformou-se numa clareza gelada. O meu pai estava morto. O homem que eu amava preocupava-se mais com a filha da minha madrasta do que comigo.
O homem que me pediu em casamento há um mês.
Eu olhei para o anel de noivado no meu dedo. Parecia um objeto estranho, pertencente a outra pessoa.
"Não quero mais isto," disse eu, a minha voz firme. "Acabou, Pedro."
Ele bufou, incrédulo. "Estás a terminar tudo por causa disto? Porque eu ajudei a Laura? Estás a ser egoísta, Inês! O teu pai ia querer que ficássemos juntos, que cuidássemos uns dos outros!"
Com isso, ele virou-me as costas, voltando a sua atenção para Sofia e Laura, guiando-as para longe do túmulo fresco.
Deixaram-me ali, sozinha com o meu pai.
Tentei ligar-lhe novamente mais tarde, quando cheguei a casa. O número estava bloqueado.
Um sorriso sem alegria curvou os meus lábios. Ele tinha razão numa coisa. O meu pai ia querer que eu fosse feliz.
E a minha felicidade já não o incluía.
Salvar a Laura foi mesmo só um ato de bondade? A casa dela fica do outro lado da cidade, longe de onde eu estava, longe de onde ele deveria estar.
Ele não pensou em mim quando eu estava desesperada, a ligar sem parar, sem saber se o meu pai estava vivo ou morto?
Ele não se importou. Se se importasse, teria atendido. Teria vindo ter comigo. Eu era a noiva dele.
O meu pai era tudo o que eu tinha.
A dor no meu peito era uma pressão constante. A dor da perda, a dor da traição.
Enquanto eu estava perdida nos meus pensamentos, o telemóvel da minha madrasta, que ela deixou na mesa da sala, começou a tocar. Era uma chamada do tio do Pedro, um homem que eu mal conhecia.
Pensei que talvez fosse sobre os arranjos do funeral. Hesitante, atendi.
"Sofia? É o Tiago. O Pedro contou-me da ridícula ideia da Inês. Tens de falar com ela! Que tipo de mulher abandona o noivo num momento destes? O pai dela mal arrefeceu no túmulo e ela já está a causar problemas. Ela não tem decência?"
A voz dele era dura, cheia de desprezo.
"Ela acha que pode simplesmente deitar fora um compromisso? O meu sobrinho é um bom partido! Ela devia agradecer por ele sequer olhar para ela!"