O meu irmão, Miguel, morreu.
A polícia ligou-me às três da manhã, com a voz cansada e formal.
"É a senhora Sofia Costa? O seu irmão, Miguel Costa, foi encontrado morto no seu apartamento. A causa preliminar da morte é overdose de drogas."
O meu telemóvel caiu da minha mão e bateu no chão de madeira.
O som ecoou no silêncio do meu quarto.
Levantei-me da cama, vesti-me mecanicamente e conduzi até ao apartamento dele.
O meu marido, Pedro, dormia profundamente ao meu lado, nem sequer se mexeu.
Ele odiava o Miguel.
Quando cheguei, a polícia já tinha isolado a área. Um agente mostrou-me o corpo.
O Miguel estava deitado no chão da sala, pálido, com os lábios azuis. Ao lado dele, uma seringa e um pequeno saco com pó branco.
Parecia em paz, o que era uma mentira terrível. A vida dele não tinha sido nada pacífica.
O agente perguntou-me sobre os seus hábitos, os seus amigos, se eu sabia de onde ele arranjava as drogas.
Eu não sabia de nada. Sentia-me uma falhada.
Enquanto a polícia fazia o seu trabalho, o meu telemóvel tocou. Era o Pedro.
A voz dele estava cheia de sono e irritação.
"Onde é que estás? São quase cinco da manhã."
"O Miguel morreu," disse eu, com a voz vazia.
Houve um silêncio do outro lado. Não um silêncio de choque, mas um silêncio de cálculo.
"Ok," disse ele finalmente. "Já trataste de tudo com a polícia?"
A sua calma era assustadora.
"Estou no apartamento dele agora," respondi.
"Olha, Sofia, eu sei que isto é difícil, mas não te esqueças do nosso jantar com o meu chefe hoje à noite. É muito importante para a minha promoção. Não podes faltar."
Senti uma onda de frio percorrer-me. O meu irmão estava morto, e ele estava a falar de um jantar.
"Pedro, o meu irmão acabou de morrer. Não posso ir a um jantar."
A sua voz tornou-se dura. "Não sejas dramática. O Miguel escolheu este caminho. Nós não temos culpa. A minha carreira é o nosso futuro. Não deixes que os problemas dele estraguem isso."
"Ele era o meu irmão."
"E eu sou o teu marido! A tua lealdade devia estar comigo. A Clara também vai estar lá, ela está a ajudar-me a preparar a apresentação. Ela entende a importância disto."
Clara. A sua assistente. A mulher perfeita que ele mencionava constantemente.
"Precisas de ser profissional, Sofia. A vida continua. Liga-me quando terminares aí."
Ele desligou.
Não gritou, não discutiu. Apenas declarou os factos como ele os via.
Olhei para o corpo do meu irmão, coberto agora por um lençol branco.
O Pedro tinha razão numa coisa. A vida continuava.
Mas a minha não podia continuar com ele.
O meu casamento, tal como o meu irmão, estava morto. Eu só não tinha percebido até agora.