Fui para um hotel barato no centro da cidade. Um lugar anónimo onde ninguém me conhecia.
Passei o dia a tratar da burocracia da morte. Falei com a agência funerária, com a polícia novamente. Cada chamada era um esforço.
À noite, o meu telemóvel não parava de vibrar. Eram mensagens do Pedro.
Primeiro, ordens. "Volta para casa agora. Não me faças ir aí buscar-te."
Depois, ameaças. "Se não apareceres neste jantar, a nossa vida juntos acabou. Estou a falar a sério."
E finalmente, quando percebeu que eu não ia ceder, a manipulação. "A Clara está aqui. Ela está a ser um grande apoio. Disse que tu deves estar a passar por um momento difícil e que eu devia ser compreensivo. Ela é tão boa pessoa."
Li a mensagem e senti um nó no estômago. Ele estava a usar a Clara para me atingir, para me fazer sentir inadequada.
Desliguei o telemóvel.
Precisava de pensar. A polícia disse overdose, mas algo não batia certo.
O Miguel tinha estado a tentar ficar limpo. Tinha-me ligado há duas semanas, entusiasmado com um novo emprego. A voz dele parecia esperançosa.
Abri o meu computador portátil e comecei a procurar. Redes sociais, notícias locais, qualquer coisa.
Encontrei o perfil da Clara. Fotos perfeitas, sorrisos profissionais. Numa das fotos, ela estava num evento de caridade. Ao fundo, desfocado, vi um rosto familiar.
Aumentei o zoom.
Era o Miguel.
Ele estava a trabalhar como empregado de mesa no evento. Parecia sóbrio, concentrado.
Continuei a pesquisar. Encontrei um artigo sobre a empresa do Pedro, mencionando um grande projeto de construção que tinha sido aprovado recentemente. O artigo elogiava o Pedro pela sua "negociação implacável".
Lembrei-me de uma conversa com o Miguel. Ele tinha mencionado que o seu novo emprego era num armazém. Um armazém que ia ser demolido para dar lugar a um novo condomínio de luxo.
O condomínio do Pedro.
Uma ideia horrível começou a formar-se na minha mente.
O meu telemóvel, que eu tinha voltado a ligar, tocou. Era um número desconhecido.
Atendi, hesitante.
"Sofia?" A voz era de uma mulher, baixa e nervosa. "Eu era amiga do Miguel. O meu nome é Ana. Precisamos de falar. Não foi uma overdose."