Dois dias depois, recebi alta do hospital. A Laura ainda precisava de ficar em observação.
Assim que cheguei a casa, a casa que partilhava com o Pedro, senti um vazio. Estava tudo arrumado, limpo demais. Silencioso demais.
Não havia sinal dele.
Fui direta ao nosso quarto e comecei a fazer as minhas malas. Peguei apenas no essencial: roupas, documentos, algumas fotografias antigas da minha mãe.
Enquanto dobrava uma camisola, encontrei um recibo no bolso de um dos casacos do Pedro.
Era de uma joalharia. A data era de há uma semana. A descrição: "Colar de Ouro com Pingente de Gato".
O meu coração parou por um segundo.
Um colar de gato. Para a Sofia, claro. O gato dela chamava-se Miau.
Então, não foi um impulso de momento. Ele já andava a encontrar-se com ela. A comprar-lhe presentes.
Senti uma náusea. A traição era mais profunda do que eu imaginava.
Peguei no recibo e guardei-o na minha carteira. Provas. Era disso que eu precisava.
Continuei a fazer as malas com uma fúria fria. Cada peça de roupa, cada objeto que eu tocava, parecia contaminado.
Quando estava quase a acabar, a porta da frente abriu-se.
Era o Pedro.
Ele parou no corredor quando me viu com as malas. O rosto dele mostrava surpresa, depois irritação.
"O que estás a fazer?"
"O que te parece?" respondi, sem olhar para ele. "Estou de saída."
Ele aproximou-se, a sua sombra cobriu-me.
"Ana, para com isto. Já chega de drama. Eu sei que estás chateada, mas..."
"Chateada?" Virei-me para ele, finalmente. "Pedro, 'chateada' é o que se sente quando o café está frio. O que eu sinto é outra coisa."
Mostrei-lhe o recibo.
"Explica-me isto."
Ele olhou para o papel na minha mão. Por um instante, vi pânico nos olhos dele. Mas desapareceu tão rápido como apareceu, substituído por uma atitude defensiva.
"É um presente. Para a minha prima. Ela estava a passar por uma fase má. Qual é o problema?"
"O problema, Pedro, é que a tua mulher estava prestes a entrar numa sala de operações para doar um rim à irmã, e tu estavas a comprar jóias para outra mulher."
"Não fales assim da Sofia! Ela não tem nada a ver com isto!"
"Não? Então porque é que estavas com ela durante o incêndio? Porque é que a salvaste a ela e não atendeste as minhas chamadas?"
"Eu já te disse! Foi uma coincidência! Eu estava perto!"
"Mentira," disse eu, com a voz baixa e cortante. "Tu mentes tão facilmente. Já nem te dás ao trabalho de inventar mentiras credíveis."
Ele passou a mão pelo cabelo, um gesto de frustração que eu conhecia bem.
"Ouve, eu cometi um erro. Ok? Eu devia ter-te ligado de volta. Peço desculpa. Mas o divórcio? Isso é um exagero, Ana. Pensa na Laura."
"Eu estou a pensar nela. E estou a pensar em mim. E cheguei à conclusão de que estamos melhor sem ti."
Fechei a mala com um clique alto.
"Eu vou para um hotel. O meu advogado vai entrar em contacto contigo."
Virei-lhe as costas e comecei a andar em direção à porta.
Ele agarrou-me no braço. A força dele surpreendeu-me.
"Tu não vais a lado nenhum." A voz dele era um aviso. "Nós vamos resolver isto."
"Larga-me, Pedro."
"Não. Tu não me vais deixar. Depois de tudo o que eu fiz por ti e pela tua irmã..."
"O que tu fizeste por nós?" ri-me, um som amargo. "Tu toleraste-nos. Isso não é a mesma coisa que amar-nos."
Puxei o meu braço com força. O aperto dele magoou-me.
"Acabou, Pedro."
Saí porta fora, sem olhar para trás. O som da porta a bater atrás de mim foi o som mais libertador que alguma vez ouvi.