Dois dias depois, recebi alta. Lucas não apareceu. Apenas o meu pai veio buscar-me, o seu rosto uma máscara de desaprovação fria.
A viagem para casa foi silenciosa. O ar dentro do carro era pesado, carregado de palavras não ditas.
Quando chegámos, a casa estava estranhamente silenciosa. Normalmente, a minha mãe estaria a tagarelar na cozinha.
"Onde está a mãe?", perguntei, enquanto entrava.
"No hospital, com a tua irmã", respondeu ele secamente, largando a minha mala no chão. "A Sofia precisa de apoio."
Claro que precisa. Eu, aparentemente, não.
Fui para o meu quarto, o quarto que partilhava com Lucas. Estava diferente. As suas coisas tinham desaparecido. O armário estava meio vazio. As suas loções de barbear e a escova de dentes já não estavam na casa de banho.
Ele tinha-se mudado. Assim, sem uma palavra.
Sentei-me na beira da cama, o meu corpo a doer. A cicatriz latejava, um lembrete constante da minha estupidez.
O meu telemóvel vibrou. Era uma mensagem de um número desconhecido.
"Encontra-me no Café Central em uma hora. Precisamos de falar sobre os termos do divórcio. Não tragas os teus pais."
Era o Lucas.
Uma hora depois, entrei no café. Ele já lá estava, sentado numa mesa ao canto, a mexer no telemóvel. Ele parecia relaxado, como se estivesse a encontrar-se com um amigo para um café, não com a esposa que ele tinha acabado de trair para lhe tirar um órgão.
Sentei-me à sua frente. Ele nem levantou a cabeça.
"Então, queres o divórcio", disse ele, finalmente a olhar para mim. Os seus olhos estavam frios, vazios de qualquer emoção. "Ok. Mas não penses que vais ficar com alguma coisa."
Eu ri. "Ficar com o quê, Lucas? A dívida que pagaste ao meu pai? Podes ficar com ela. Considera-a o pagamento pelo meu rim."
A sua expressão escureceu. "Não sejas insolente, Clara. Eu fui bom para ti."
"Bom para mim?", repeti, incrédula. "Mentiste-me durante todo o nosso casamento. Dormiste com a minha irmã. Manipulaste-me para eu lhe dar o meu rim. Isso é ser bom?"
"Eu amava-te", disse ele, mas as palavras soaram ocas, ensaiadas. "Mas a Sofia... ela precisa de mim. Ela é frágil."
"Frágil? A Sofia é tudo menos frágil. Ela é uma manipuladora, tal como tu."
Ele suspirou, impaciente. "Olha, não vim aqui para discutir. Assina os papéis e podemos seguir com as nossas vidas."
Ele empurrou uma pasta na minha direção. Abri-a. Eram os papéis do divórcio. Ele já tinha preparado tudo.
Li os termos. Eu não ficaria com nada. A casa, o carro, as poupanças... tudo ficaria para ele. Havia uma cláusula que dizia que eu renunciava a qualquer pedido de pensão de alimentos, em troca do "apoio financeiro" que ele tinha dado à minha família no passado.
Era um insulto.
"Não vou assinar isto", disse eu, empurrando a pasta de volta para ele.
"Vais assinar", disse ele, a sua voz baixa e ameaçadora. "Ou então, vou garantir que o teu pai perde o emprego. Lembras-te que fui eu que o arranjei, certo? Um telefonema meu e ele está na rua."
Gelei. Ele estava a chantagear-me. A usar o meu pai contra mim.
"És um monstro", sussurrei.
Ele encolheu os ombros. "Sou um homem de negócios. E isto é apenas um negócio que correu mal. Assina, Clara."
Olhei para o seu rosto, para o homem com quem me casei, e não vi nada do que amei um dia. Apenas um estranho frio e calculista.
Peguei na caneta. A minha mão tremia.
"Promete que não vais tocar no emprego do meu pai", disse eu, a minha voz a falhar.
"Assina, e ele está seguro."
Com o coração pesado, assinei o meu nome na linha pontilhada. Assinei o fim do meu casamento, o fim da minha vida como a conhecia.
Ele pegou nos papéis, verificou a minha assinatura e levantou-se.
"Foi um prazer fazer negócios contigo", disse ele, com um sorriso trocista.
Quando ele se virou para sair, eu chamei-o. "Lucas."
Ele parou, mas não se virou.
"Espero que tu e a Sofia sejam muito infelizes juntos."
Ele não respondeu. Apenas saiu do café, deixando-me sozinha com o gosto amargo da derrota na boca.