Lembrei-me da minha antiga chefe, a Sra. Alves, dona do pequeno restaurante onde eu trabalhava antes de casar com o Lucas. Ela sempre tinha sido boa para mim.
Com o coração a bater forte, liguei-lhe.
"Clara! Que surpresa! Pensei que estavas a viver a vida de uma rainha", disse ela, a sua voz calorosa e familiar.
"Não exatamente, Sra. Alves", respondi, tentando manter a voz firme. "Aconteceram algumas coisas. Eu... eu preciso de um emprego."
Houve uma pausa. "Estás bem, querida?"
"Vou ficar", disse eu. "Só preciso de trabalhar."
"Claro, claro. Podes começar amanhã? A Maria saiu na semana passada e estou com falta de pessoal."
Um enorme alívio percorreu-me. "Sim! Sim, claro. Muito obrigada, Sra. Alves. Nem sabe o quanto isto significa para mim."
"Não te preocupes com isso. Vemo-nos amanhã."
Desliguei o telemóvel e senti um vislumbre de esperança pela primeira vez em dias. Era um começo. Um pequeno passo, mas era meu.
No dia seguinte, vesti o meu antigo uniforme de empregada de mesa. Servia-me um pouco apertado na cintura por causa do inchaço da cirurgia, mas servia.
Trabalhar no restaurante era familiar e reconfortante. O cheiro a café e a comida caseira, o som das conversas dos clientes, o ritmo apressado do serviço... tudo isso me ajudou a esquecer os meus problemas por algumas horas.
No final do meu turno, a Sra. Alves chamou-me ao seu escritório.
"Senta-te, Clara", disse ela, com um olhar preocupado. "Pareces exausta."
"Estou bem. Só um pouco fora de forma."
Ela suspirou. "Ouvi dizer que te divorciaste do Lucas. E que doaste um rim à tua irmã."
A pequena cidade era, de facto, pequena. As notícias viajavam depressa.
"Sim", confirmei, sem vontade de entrar em detalhes.
"Eles são uns idiotas", disse ela, sem rodeios. "Deixar uma rapariga como tu. E a tua família... nem me fales neles."
Fiquei surpreendida com a sua franqueza.
"Estás a viver naquele motel horrível na estrada, não estás?", perguntou ela.
Corei. "Como é que sabe?"
"Eu sei tudo", disse ela com um pequeno sorriso. "Olha, tenho um pequeno apartamento por cima do restaurante. Não é grande coisa, mas está limpo e é seguro. Podes ficar lá até te recompores. Não te preocupes com a renda por agora."
Fiquei sem palavras. A sua generosidade era avassaladora.
"Sra. Alves, eu... não sei o que dizer. Obrigada."
"Não agradeças. Apenas trabalha arduamente e não deixes que aqueles idiotas te deitem abaixo."
Mudei-me para o apartamento naquela noite. Era pequeno, apenas um quarto, uma kitchenette e uma casa de banho, mas era o meu próprio espaço. Era o meu santuário.
Enquanto desfazia a minha pequena mala, encontrei um velho caderno de esboços. Antes de casar, eu adorava desenhar. Sonhava em ser designer de joias. Mas o Lucas disse que era um passatempo tolo, que eu não precisava de trabalhar. E eu, estupidamente, acreditei nele.
Abri o caderno. As páginas estavam cheias de desenhos de anéis, colares e brincos. Senti uma pontada de nostalgia por a rapariga que eu era, a rapariga com sonhos.
Talvez ainda não fosse tarde demais.