Miguel olhou para mim, chocado.
"Divórcio? Lúcia, não digas isso. Estás apenas chateada por causa da FIV. É compreensível."
Ele tentou tocar-me no braço, mas eu afastei-me.
"Não toques em mim. Tu roubaste o nosso futuro para dar à tua irmã."
"Eu não roubei! Eu ajudei a minha família! Tu não entendes? A Sofia não tinha mais ninguém a quem recorrer!"
A raiva dele começou a subir, uma defesa fraca para a sua traição.
"E eu? Eu não sou a tua família? O nosso filho, que nunca vai nascer por causa disto, não era a tua família?"
As lágrimas que eu segurei durante todo o dia começaram a cair. Eu odiava chorar à frente dele. Odiava parecer fraca.
"Lúcia, por favor, não sejas dramática. É só dinheiro. Nós conseguimos mais dinheiro. A minha irmã estava desesperada."
"Só dinheiro?"
A calma com que ele disse aquilo arrefeceu a minha dor e transformou-a em gelo.
"Era a herança da minha avó, Miguel. Era a nossa única oportunidade. Tu sabias disso."
Ele passou as mãos pelo cabelo, um gesto de frustração que eu conhecia bem. Era o que ele fazia quando não queria assumir a responsabilidade.
"Eu vou falar com ela. Vou pedir-lhe para devolver o dinheiro o mais rápido possível."
"Não te incomodes."
Fui para o quarto e peguei numa mala. Comecei a atirar roupas para dentro, sem cuidado. T-shirts, calças de ganga, o que quer que estivesse à mão.
Miguel seguiu-me, a sua voz agora suplicante.
"Lúcia, para onde vais? Não faças isto. Vamos resolver as coisas."
"Não há nada para resolver. Acabou."
Fechei a mala e dirigi-me à porta. Ele bloqueou-me o caminho.
"Eu não te vou deixar ir. Nós amamo-nos."
Olhei para o homem à minha frente. O homem com quem casei, o homem com quem sonhei construir uma família. Eu não o reconhecia.
"Sai da minha frente, Miguel."
A minha voz era fria, sem emoção. Ele deve ter visto algo no meu olhar, porque recuou um passo, e eu saí.
Não olhei para trás.