No dia em que o meu noivo, Pedro, me abandonou no altar, choveu.
Não uma chuva forte, mas uma garoa fina e persistente, que deixava tudo cinzento e húmido.
Eu estava parada em frente à igreja, com o meu vestido de noiva branco a ficar pesado e manchado na barra.
Os convidados já tinham ido embora, murmurando entre si. Só restava a minha melhor amiga, a Sofia, segurando um guarda-chuva sobre a minha cabeça.
"Lia, vamos para casa," ela disse suavemente.
Eu não me mexi. Continuei a olhar para o meu telemóvel.
Nenhuma chamada. Nenhuma mensagem.
Apenas a última que eu lhe tinha enviado há três horas: "Pedro, onde estás? Está toda a gente à tua espera."
Visualizada. Sem resposta.
O meu coração estava estranhamente calmo, como se o choque o tivesse congelado.
Tínhamos estado juntos durante cinco anos.
Cinco anos de jantares de família, férias partilhadas e planos para o futuro.
Ele pediu-me em casamento em frente à nossa família, no Natal passado. A sua mãe, a Dona Helena, chorou de alegria e deu-me o anel que tinha sido da sua avó.
Agora, esse mesmo anel parecia queimar o meu dedo.
"Ele deve ter uma boa razão," eu disse, mais para mim do que para a Sofia. A minha voz saiu rouca.
A Sofia suspirou. "Que razão é suficientemente boa para fazer isto, Lia? Que razão?"
Ela tinha razão. Não havia.
Finalmente, o meu telemóvel tocou. Era um número desconhecido.
Atendi, com uma ponta de esperança absurda.
"É a Sra. Liana Santos?" uma voz profissional perguntou.
"Sim," respondi.
"Estamos a ligar do Hospital da Luz. Um paciente, o Sr. Miguel Almeida, sofreu um acidente de carro grave. A senhora está listada como o seu contacto de emergência."
Miguel.
O nome atingiu-me com força.
Miguel era o irmão mais novo do Pedro. Um rapaz problemático, sempre a meter-se em confusões.
"Ele está bem?" perguntei, a minha voz a tremer.
"Ele está em estado crítico. Precisa de uma cirurgia de urgência, mas perdeu muito sangue. O seu tipo de sangue é O negativo, é muito raro. Não temos reservas suficientes no banco de sangue."
O meu sangue. O meu tipo de sangue.
"Eu sou O negativo," disse eu, sem pensar. "Estou a ir para aí."
Desliguei a chamada e olhei para a Sofia. "O Miguel sofreu um acidente. Preciso de ir ao hospital."