Dois dias depois, o Miguel acordou.
Eu estava no quarto do hospital, sentada numa cadeira desconfortável, quando os seus olhos se abriram.
A primeira coisa que ele disse foi o meu nome. "Lia?"
A sua voz estava fraca.
"Estou aqui, Miguel," eu disse, aproximando-me da cama. "Como te sentes?"
"Como se um camião me tivesse atropelado," ele murmurou, tentando sorrir. "Obrigado. Salvaste a minha vida."
"Não precisas de agradecer."
Houve um silêncio. Ele olhou em volta, o seu rosto a contorcer-se numa expressão confusa.
"Onde está o Pedro? E os meus pais?"
"Os teus pais foram a casa tomar um banho. Voltam daqui a pouco," eu disse, evitando a primeira pergunta.
Mas ele insistiu. "E o Pedro? Ele não veio ver-me?"
Respirei fundo. "Miguel, o Pedro... ele não está aqui. Ele foi-se embora."
Contei-lhe tudo. O altar, a chamada, a acusação da mãe dele.
À medida que eu falava, o rosto do Miguel passava de confusão para horror, e finalmente para uma fúria sombria.
"Aquela cabra," ele sibilou, tentando sentar-se, mas gemendo de dor.
"Quem, Miguel? Quem disse isto ao Pedro?"
"A Carla," ele disse, o nome a sair como veneno. "A minha ex-namorada. Ela deve ter feito isto."
Carla. Eu conhecia-a. Uma rapariga ciumenta e possessiva. O Miguel tinha acabado o namoro com ela há um mês, e ela não aceitou bem.
"Ela sempre te odiou, Lia," continuou o Miguel. "Ela tinha ciúmes da nossa amizade. Dizia que tu querias roubar-me para ti."
Era tão estúpido. Tão infantil.
E o Pedro tinha acreditado.
"Ela deve ter enviado alguma mensagem ao Pedro, alguma foto antiga nossa, fora de contexto," disse o Miguel, a sua respiração a ficar pesada. "Ele é um idiota. Um idiota ciumento e inseguro."
A porta abriu-se e os pais dele entraram. A Dona Helena parou abruptamente quando me viu a segurar a mão do Miguel.
"O que é que ainda estás aqui a fazer?" ela perguntou, a sua voz gélida.
"Mãe, para!" disse o Miguel, a sua voz mais forte agora. "A Lia salvou-me a vida. E foi tudo por causa de uma mentira da Carla!"
Ele explicou a situação, a sua voz cheia de raiva.
A Dona Helena ouviu, o seu rosto impassível. O Sr. Carlos, por outro lado, parecia chocado.
"Eu não acredito em ti, Miguel," disse a Dona Helena quando ele terminou. "Estás apenas a defendê-la."
"Eu não acredito em si," eu disse, levantando-me. A minha paciência tinha acabado.
"Eu salvei o seu filho. Eu estive aqui ao lado dele enquanto o seu outro filho fugia como um cobarde. E a senhora ainda me acusa?"
Olhei para o Sr. Carlos. "O senhor acredita nisto?"
Ele olhou para a sua mulher, depois para o seu filho na cama, e finalmente para mim. Ele suspirou, um som de profundo cansaço. "Eu não sei em que acreditar, Liana. A minha cabeça está uma confusão."
"Pois a minha não," eu disse, pegando na minha mala. "Eu fiz o que tinha a fazer. Adeus, Miguel. Fica bem."
Saí do quarto, de cabeça erguida.
Não olhei para trás.