O meu pai olhou para mim, o rosto cansado, mas os olhos firmes.
Ele não respondeu imediatamente ao Pedro. Em vez disso, a sua voz saiu baixa e rouca.
"Pedro, a minha filha e eu acabámos de sofrer um acidente de carro. Eu tive um princípio de enfarte."
Ele fez uma pausa. O silêncio na linha era pesado.
"Onde é que tu e o teu filho estavam quando precisámos de vocês?"
A pergunta pairou no ar, simples e direta. Do outro lado, não houve resposta. O meu pai desligou o telemóvel e pousou-o na mesinha de cabeceira.
Depois, virou-se para mim.
"Ana, vamos para casa."
"Mas pai, o médico disse que precisas de ficar em observação."
"Eu sou o médico", disse ele, com um vestígio do seu antigo humor. "E eu digo que preciso da minha cama. Vamos."
Ele levantou-se devagar, apoiando-se em mim. Cada movimento parecia custar-lhe um esforço enorme.
Chamei um táxi. O caminho para casa foi silencioso. A cidade passava pela janela, luzes a piscar na escuridão crescente, mas eu só conseguia ver o reflexo do meu próprio rosto pálido no vidro.
Quando chegámos, ajudei o meu pai a deitar-se. Ele adormeceu quase instantaneamente, a exaustão finalmente a vencê-lo.
Fui para o meu quarto e sentei-me na cama. O quarto que partilhava com o Miguel. As roupas dele ainda estavam no armário, o cheiro dele ainda no ar.
Senti um aperto no peito, uma náusea.
Abri o armário e comecei a tirar as coisas dele. Camisas, calças, sapatos. Coloquei tudo em sacos de lixo pretos. Trabalhei de forma metódica, sem pensar, apenas a mover-me.
Cada peça de roupa era uma memória. O dia em que nos conhecemos, o nosso casamento, as promessas que fizemos.
Tudo parecia uma mentira agora.
Quando terminei, havia três sacos grandes no meio do quarto. Arrastei-os para a porta da frente.
Depois, sentei-me no sofá e esperei.
Horas mais tarde, ouvi a chave na porta. O Miguel entrou, o rosto tenso. Ele viu os sacos e franziu a testa.
"O que é isto?"
"As tuas coisas", respondi, a voz sem emoção.
Ele olhou para mim, os olhos a faiscar de raiva. "Estás a falar a sério? Por causa daquela estupidez?"
"Não foi uma estupidez, Miguel. O meu pai quase morreu."
"E a Sofia? A perna dela está partida! Ela precisa de mim!"
"E eu? E o nosso filho? Nós não precisávamos de ti?"
A minha voz subiu um pouco. Eu não queria gritar. Eu só queria que ele entendesse.
"Eu liguei-te dezoito vezes, Miguel. Dezoito. Tu ignoraste todas as chamadas."
"Eu estava ocupado!", gritou ele.
"A ajudar a tua prima a encontrar o gato dela?", perguntei, o sarcasmo a pingar das minhas palavras.
Ele ficou sem resposta. A verdade era feia e inegável.
"Eu quero o divórcio", repeti, desta vez com uma certeza que me assustou.
O Miguel riu, um som oco e desagradável. "Tu não vais a lado nenhum. Estás grávida. Vais precisar de mim."
Ele aproximou-se, o rosto a centímetros do meu. "Pára com este teatro, Ana. Pede desculpa, e podemos esquecer isto."
Olhei para ele, para o homem que eu amava, ou que pensava amar. E não senti nada. Apenas um vazio frio.
"Não", disse eu. "Acabou."