Na manhã seguinte, acordei com o som do telemóvel a vibrar. Era um número desconhecido. Atendi com hesitação.
"Ana? É a Sofia."
A voz dela era fraca, chorosa.
"O Miguel contou-me o que aconteceu. Eu sinto muito. Eu não queria causar problemas."
"Não foste tu que causaste problemas, Sofia", disse eu, a voz cansada.
"Mas... ele disse que vocês se vão divorciar. Por minha causa."
"Não é por tua causa. É por causa dele."
Houve um silêncio. Depois, ela disse: "Ele está aqui comigo. Ele está muito abalado."
Claro que estava.
"Ana, por favor, fala com ele. Ele ama-te."
"Se ele me amasse, não me teria deixado sozinha na beira da estrada depois de um acidente."
Desliguei o telemóvel. Não tinha energia para aquilo.
O meu pai já estava na cozinha, a preparar o pequeno-almoço. O cheiro a café encheu a casa.
"Bom dia", disse ele, com um sorriso. "Dormiste bem?"
"Como uma pedra", respondi.
Sentámo-nos à mesa em silêncio. O sol entrava pela janela, iluminando os restos da destruição da noite anterior.
"Vou ligar a um advogado hoje", disse eu.
O meu pai acenou com a cabeça. "É a decisão certa."
Depois do pequeno-almoço, comecei a pesquisar advogados de divórcio na internet. Encontrei uma mulher, a Dra. Mendes, com boas recomendações. Marquei uma consulta para a tarde.
Passei o resto da manhã a limpar a casa. Varrer os cacos, deitar fora o álbum de fotos rasgado. Era como se estivesse a limpar a minha vida, a livrar-me do passado.
À tarde, fui ao escritório da Dra. Mendes. Era uma mulher de meia-idade, com um olhar inteligente e um aperto de mão firme.
Contei-lhe tudo. O acidente, as chamadas ignoradas, a destruição em casa. Ela ouviu-me com atenção, a tomar notas.
Quando terminei, ela olhou para mim por cima dos óculos.
"O seu marido parece ser uma pessoa muito egoísta, Ana."
"Ele é", concordei.
"Isto não vai ser fácil. Ele vai lutar."
"Eu sei. Mas eu também vou."
"Bom", disse ela, com um sorriso. "Gosto de clientes que lutam."
Saí do escritório dela a sentir-me mais leve. Pela primeira vez, sentia que tinha algum controlo sobre a minha vida.
Quando cheguei a casa, o meu pai estava à minha espera.
"Como correu?"
"Bem. Ela parece boa."
"Ótimo. Agora, vamos jantar. Eu cozinho."
Naquela noite, comemos esparguete à bolonhesa, a receita da minha mãe. Falámos sobre tudo e sobre nada. Rimos.
Foi a primeira vez em muito tempo que me senti feliz.