O funeral foi um borrão.
Eu vesti um vestido preto. Fiquei de pé junto ao pequeno caixão. Olhei para as caras tristes à minha volta.
Eu não senti nada. Era como se estivesse a ver um filme sobre a vida de outra pessoa.
Pedro ficou ao meu lado o tempo todo, a sua mão nas minhas costas. Um gesto para as outras pessoas verem. Um espetáculo de um marido de luto.
Eu deixei-o fazer o seu papel. Não tinha energia para lutar.
Depois do serviço, todos vieram a nossa casa novamente. Mais comida que ninguém comeu. Mais palavras vazias.
Eu escapei para o jardim. O baloiço que o Pedro construiu para o Leo no verão passado estava ali, a balançar suavemente com a brisa.
Sentei-me nele. Para trás e para a frente. Para trás e para a frente.
O movimento era a única coisa que me fazia sentir um pouco real.
De repente, o meu telemóvel vibrou no meu bolso.
Era um número desconhecido. Ignorei.
Vibrou novamente. Uma mensagem.
Abri-a por curiosidade.
"Sei o que aconteceu. Não foi só um acidente."
O meu coração deu um salto.
Quem era? Como é que sabiam?
Respondi, os meus dedos a tremer.
"Quem é você?"
A resposta veio quase imediatamente.
"Alguém que ouviu a chamada. Eu estava lá."
Gelo percorreu as minhas veias.
Havia uma testemunha.
Alguém sabia que o Pedro estava ao telemóvel.
"Onde?" escrevi.
"Café do outro lado da rua. O seu marido estava em alta-voz. A sua chefe gritava com ele. Ele estava distraído. Eu vi tudo."
A minha respiração ficou presa.
A polícia tinha dito que não havia testemunhas. Eles fecharam o caso. Acidente. Fim da história.
Mas não era o fim.
"Você falou com a polícia?" perguntei.
"Não. Não queria envolver-me."
Raiva borbulhou dentro de mim.
"O meu filho morreu! E você não queria envolver-se?"
"Sinto muito. Mas posso ajudar agora. Tenho uma gravação."
Uma gravação.
O meu mundo inclinou-se.
"O que quer?"
"Justiça para o seu filho. Encontre-me amanhã. Parque Central, perto da fonte. Meio-dia."
Antes que eu pudesse responder, outra mensagem chegou.
"Venha sozinha."
Olhei para a casa. Para as pessoas lá dentro, a fingir que se importavam. Para o Pedro, o centro das atenções, a receber palmadinhas nas costas.
Ele ia pagar.
Eu ia certificar-me disso.