A enfermeira entrou na sala, com uma prancheta na mão.
"Senhora Sofia Mendes? A cirurgia do seu filho foi um sucesso. Ele está a recuperar bem da anestesia. Pode vê-lo agora."
Respirei fundo, o alívio percorreu-me o corpo como uma onda quente.
"Obrigada. Muito obrigada."
Levantei-me, as minhas pernas tremiam um pouco, e segui-a pelo corredor branco e estéril.
O meu filho, Leo, de cinco anos, estava deitado na cama do hospital, pequeno e pálido. Tinha partido o braço a cair de um baloiço no parque. Um acidente simples, uma fratura limpa.
Mas o pânico que senti quando ele gritou foi avassalador.
Agarrei no meu telemóvel para ligar ao meu marido, João. O homem que prometeu estar sempre lá para nós.
O telefone chamou, uma, duas, três vezes. Sem resposta.
Tentei novamente. Direto para o correio de voz.
Enviei uma mensagem: "O Leo partiu o braço. Estamos no Hospital da Luz. Por favor, vem."
Nenhuma resposta.
Isso foi há três horas. Três horas de silêncio de rádio.
Agora, olhando para o meu filho a dormir, a raiva começou a borbulhar sob a minha preocupação. Onde estava ele?
Peguei no meu telemóvel outra vez. Desta vez, liguei para a minha sogra, a mãe dele, a Dona Isabel.
Ela atendeu ao primeiro toque.
"Sofia? Está tudo bem? O João não me disse que ias ligar."
A voz dela era suave, mas havia um tom de cautela.
"Isabel, o Leo partiu o braço. Estamos no hospital. O João não atende o telefone. Sabe onde ele está?"
Houve uma pausa. Uma pausa que durou demasiado tempo.
"Ah, querida... o João está ocupado. A prima dele, a Catarina... ela está a passar por um momento difícil."
Catarina. O nome deixou um gosto amargo na minha boca. A prima "frágil" que vivia connosco desde que os pais dela morreram há um ano.
"O que aconteceu à Catarina?", perguntei, a minha voz fria.
"Oh, o cão dela, o Faísca, fugiu. Ela ficou tão perturbada, Sofia. Estava inconsolável. O João teve de ir ajudá-la a procurar. Sabes como ela é sensível."
O cão. O cão dela fugiu.
E o meu filho, o filho dele, partiu um osso.
"Ele está a procurar um cão?", a minha voz saiu quase como um sussurro incrédulo.
"Não sejas assim, Sofia. A família tem de se ajudar. O João fez a coisa certa. A Catarina precisa dele. Tu és forte, consegues lidar com o Leo."
Antes que eu pudesse responder, ouvi a voz do João ao fundo. Não para mim. Para a Catarina.
"Calma, Cati. Vamos encontrá-lo. Eu estou aqui. Não te vou deixar."
A voz dele era suave, cheia de uma ternura que eu não ouvia há anos.
A minha mão tremeu. Desliguei a chamada.
Não havia necessidade de mais explicações. Tudo ficou claro como água.
A porta do quarto abriu-se e uma enfermeira sorriu-me. "Ele está a acordar."
Fui para o lado da cama do Leo, forcei um sorriso e acariciei o seu cabelo.
"Olá, meu amor. A mamã está aqui."
Ele abriu os olhos, grogue. "Dói, mamã."
"Eu sei, querido. Vai ficar tudo bem."
Naquele momento, enquanto confortava o meu filho, tomei uma decisão.
O nosso casamento não estava apenas partido. Estava morto e enterrado.
Eu só ainda não tinha assinado a certidão de óbito.