O meu telemóvel vibrou na minha mão. Era o João. Finalmente.
Atendi, a minha voz estava vazia de qualquer emoção.
"Onde estás?"
"Sofia! Desculpa, só vi as tuas mensagens agora. O meu telemóvel estava sem bateria. Como está o Leo?"
A desculpa era tão fraca, tão usada.
"Ele partiu o braço. A cirurgia correu bem. Ele está a dormir."
"Oh, meu Deus. Cirurgia? Foi assim tão mau? Eu estou a caminho agora mesmo!"
A sua preocupação soava oca, uma atuação para uma audiência de um só.
"Não te incomodes," disse eu, calmamente. "Fica aí. A Catarina precisa mais de ti. O cão dela ainda está desaparecido?"
Houve um silêncio do outro lado da linha. Ele não esperava isto.
"O que é que isso quer dizer? Claro que vou aí! Ele é meu filho!"
"É mesmo? Esqueceste-te disso nas últimas três horas?"
"Eu já te disse, o meu telemóvel morreu! E a Catarina estava a ter um ataque de pânico! Eu não a podia deixar sozinha naquele estado!"
"Um ataque de pânico por causa de um cão. Enquanto o teu filho estava a caminho da sala de operações."
Eu não gritei. Não chorei. A minha voz era monótona, um facto declarado.
"Não estás a ser justa, Sofia! Tu não sabes como ela ficou! Ela não tem mais ninguém!"
"Ela tem-te a ti, aparentemente. E isso parece ser suficiente."
"Para com o drama! Eu estou a ir para aí. Falamos quando eu chegar."
Ele desligou.
Olhei para o ecrã escuro do telemóvel. Drama. Ele chamou-lhe drama.
O meu filho magoado, a minha preocupação, o meu medo. Tudo era "drama".
O Leo mexeu-se na cama. "Mamã, tenho sede."
"Claro, meu amor."
Levantei-me e servi-lhe um copo de água, ajudando-o a beber com uma palhinha.
O seu pequeno rosto olhou para mim, os seus olhos grandes e confiantes.
"O papá vem?"
A pergunta simples atingiu-me onde mais doía.
Engoli em seco. "Ainda não sei, querido. Ele está... ocupado."
"Com a tia Cati?"
Até o meu filho de cinco anos via o padrão.
Não respondi. Apenas lhe limpei a boca e ajeitei-lhe as mantas.
A porta do quarto abriu-se de rompante. Era o João, o seu rosto vermelho de raiva e justificação. Atrás dele, a espreitar, estava a Catarina, os seus olhos inchados de lágrimas.
"Sofia, podemos falar lá fora?", disse o João, a sua voz baixa e ameaçadora.
A Catarina soluçou suavemente. "A culpa é minha. Eu sou um fardo tão grande."
O João virou-se imediatamente para ela, a sua expressão suavizou. "Não, Cati, não é. Não digas isso."
Ele estava a confortá-la. Ali mesmo. No quarto de hospital do nosso filho.
Levantei-me, a minha espinha direita como uma barra de aço.
"Não. Vamos falar aqui. Ou melhor, não vamos falar de todo. Podes vê-lo por cinco minutos. Depois, quero que saiam."
A cara do João ficou roxa. "Como te atreves a falar assim comigo? Na frente da Catarina?"
"Ela não é o problema, João. Tu és."