A voz do meu sogro era alta e cheia de desprezo, e eu conseguia ouvi-la claramente mesmo do outro lado do quarto.
O meu pai, que tinha acabado de passar por uma cirurgia cardíaca, ficou pálido.
Ele respirou fundo, tentando manter a calma. "Miguel, a Clara é adulta. Ela sabe o que faz."
"Sabe o que faz? Ela está a causar problemas! O Leo está exausto de tanto trabalhar no resgate, e ela ainda lhe causa este stress. Ela não tem consideração nenhuma!"
O meu pai respondeu com firmeza. "Ela quase morreu, Miguel. A perna dela..."
"Isso não é desculpa para ser egoísta! A Sofia também estava em perigo! O Leo fez o que era certo!"
O meu pai não discutiu mais. Ele apenas disse, com uma voz cansada: "Eu vou falar com ela. Mas a decisão é dela."
Depois de desligar, o meu pai olhou para mim. Os seus olhos, normalmente tão cheios de vida, estavam agora turvos de preocupação.
"Clara, filha..."
"Pai, eu ouvi tudo. Não se preocupe, eu estou bem." Tentei sorrir, mas saiu uma careta.
"Eles não se importam connosco," eu disse, a minha voz baixa e sem emoção. "Para eles, somos menos importantes que um gato."
O meu pai suspirou, um som pesado que parecia carregar todo o peso do mundo. Ele não disse nada, apenas estendeu a mão e segurou a minha. A sua mão estava fria.
Naquela noite, não consegui dormir. A dor na minha perna era constante, mas a dor no meu coração era pior.
Cada vez que fechava os olhos, via o rosto de Leo, não o rosto do homem que amava, mas o rosto de um estranho que me tinha abandonado.
Lembrei-me de como nos conhecemos. Eu era uma corredora promissora, e ele era um jovem médico desportivo. Ele cuidou de mim quando tive uma lesão leve. A sua atenção, o seu cuidado, fizeram-me apaixonar.
Ele sempre me disse que eu era a sua prioridade.
Que mentira.
Na manhã seguinte, um advogado que eu contratei pelo telemóvel veio ao hospital. Ele era jovem, eficiente e direto.
"Senhora Alves," disse ele, "o seu pedido de divórcio é bastante claro. Com base no que me contou, podemos alegar abandono emocional e negligência. Vai ser rápido."
Assinei os papéis na cama do hospital, usando uma revista como apoio. A minha mão tremia um pouco, mas a minha decisão era firme.
Enquanto o advogado guardava os documentos, o meu telemóvel tocou. Era um número desconhecido.
Atendi.
"Clara? Sou eu, a Sofia."
A sua voz soava fraca e chorosa.
"O que queres?", perguntei, a minha voz era gelo puro.
"Eu... eu só queria pedir desculpa. Eu não sabia que a tua situação era tão grave. O Leo disse-me que tinhas apenas uns arranhões."
Arranhões. A minha carreira acabada, a minha perna esmagada, e ele chamou a isso "arranhões".
"Ele mentiu-te, Sofia. Assim como mentiu a mim durante cinco anos."
"Não, ele não é assim! Ele estava muito preocupado contigo, ele só... ele só entrou em pânico. Ele ama-te, Clara. Por favor, não te divorcies dele. Ele precisa de ti."
"Ele precisa de mim? Ou tu precisas dele?"
Houve um silêncio do outro lado. Depois, a sua voz mudou, tornando-se mais firme.
"Eu preciso dele. E ele precisa de mim. Nós entendemo-nos. Tu nunca o entendeste de verdade, Clara. Tu estavas sempre focada na tua corrida, no teu mundo. Ele sentia-se sozinho."
Senti uma vontade de rir. Sozinho? Eu dediquei-lhe toda a minha vida fora das pistas.
"Adeus, Sofia."
Desliguei e bloqueei o número dela também.
Olhei para o meu pai. Ele tinha ouvido toda a conversa. Ele não disse nada, apenas abanou a cabeça lentamente, com uma expressão de profunda tristeza e desilusão.