Um mês depois do acidente, recebi uma carta do meu patrocinador desportivo. Eles estavam a rescindir o meu contrato. A carta era formal, impessoal, mas a mensagem era clara: eu já não lhes servia para nada.
Segurei o papel nas mãos, o meu último elo com a vida que eu tinha perdido. Não chorei. Apenas senti um vazio gelado a instalar-se no meu peito.
O meu pai encontrou-me na sala, a olhar para a carta. Ele pegou nela, leu-a e rasgou-a em pedaços.
"Tu és mais do que uma corredora, Clara. Eles não te merecem."
Nesse mesmo dia, recebi uma mensagem de um número desconhecido.
"Encontramo-nos no café perto do teu antigo centro de treinos. Amanhã, às 15h. É importante."
Não havia nome. Hesitei, mas a curiosidade foi mais forte.
No dia seguinte, o meu pai levou-me ao café. Ele esperou no carro, dizendo que estaria a observar.
Sentei-me a uma mesa perto da janela, a minha cadeira de rodas a ocupar mais espaço do que eu gostaria.
Às 15h em ponto, a porta abriu-se.
Era a Sofia.
Ela parecia diferente. Mais magra, com olheiras que a maquilhagem não conseguia esconder. Ela não se sentou. Permaneceu de pé, a olhar para mim.
"Obrigada por teres vindo," disse ela.
"O que queres?", perguntei diretamente.
Ela respirou fundo. "Eu quero que saibas a verdade."
"A verdade? Já ouvi a tua versão da verdade. Não me interessa."
"Não, não ouviste. Naquele dia, no deslizamento... não foi um acidente eu estar lá."
Franzi a testa. "O que queres dizer?"
"Eu sabia que tu e o teu pai iam passar por aquela estrada. Eu segui-vos."
Senti um arrepio. "Porquê?"
"Porque eu queria falar contigo. Eu ia contar-te sobre mim e o Leo."
O meu coração parou por um segundo. "Vocês...?"
"Sim," ela confirmou, os seus olhos a encontrarem os meus. "Nós estamos juntos há mais de um ano."
Um ano. Um ano de mentiras. Um ano em que eu pensava que o meu casamento era feliz, enquanto ele me traía com a minha... com a amiga dele.
"O Leo ia deixar-te," continuou ela, a sua voz a ganhar força. "Ele estava só à espera do momento certo. Ele não te amava mais, Clara. Ele só tinha pena de ti."
Pena. A palavra atingiu-me com a força de um soco.
"Quando o deslizamento aconteceu, eu liguei-lhe. Eu disse-lhe onde estava. Eu sabia que ele viria por mim. E sabia que ele te deixaria para trás."
Ela disse aquilo com uma crueldade fria que me gelou o sangue.
"Porque me estás a contar isto agora?", consegui perguntar, a minha voz a falhar.
"Porque ele voltou para ti. Depois de tudo, ele ainda te quer. Ele disse que se sentia culpado, que te devia isso. Mas eu não o vou perder. Ele é meu."
Ela deu um passo para trás. "Eu queria que soubesses o tipo de homem por quem estás a lutar. Ele não te merece. E tu também não o mereces a ele."
Com isso, ela virou-se e saiu do café, deixando-me sozinha com a sua revelação venenosa.
Fiquei sentada, paralisada. O mundo à minha volta parecia desfocar-se. O zumbido das conversas, o tilintar das chávenas, tudo desapareceu.
Só conseguia ouvir as palavras dela a ecoar na minha cabeça.
"Ele não te amava mais. Ele só tinha pena de ti."