A Cicatriz da Montanha: Um Recomeço Forçado
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Capítulo 3

Dois dias depois, recebi alta do hospital.

O meu pai insistiu em ir para casa também, apesar dos protestos dos médicos. "A minha filha precisa de mim," ele disse, e ninguém conseguiu demovê-lo.

A nossa casa parecia vazia e fria. Era a casa onde eu cresci, mas agora, com uma cadeira de rodas no meio da sala, parecia um lugar estranho.

Leo não apareceu. Não ligou. Não mandou uma única mensagem.

Era como se eu tivesse desaparecido da sua vida.

A notificação do divórcio foi entregue na casa dos pais dele, onde ele estava a ficar.

A resposta veio na forma de uma chamada furiosa do meu sogro, Miguel.

"Tu estás louca?", ele gritou assim que o meu pai atendeu. "Vais mesmo destruir a vida do meu filho por causa de um capricho? Ele é um herói! Salvou pessoas!"

"Ele não salvou a minha filha," respondeu o meu pai, a sua voz calma mas cortante.

"Ela estava na lista de espera do resgate! Outra equipa ia chegar! A Sofia estava sozinha e em pânico! O que querias que ele fizesse? Deixá-la lá?"

"Eu queria que ele se lembrasse que tinha uma mulher e um sogro soterrados," disse o meu pai, e desligou.

Naquela noite, enquanto eu tentava adaptar-me à minha nova realidade, a mover-me pela casa na cadeira de rodas, ouvi uma batida na porta.

O meu pai foi abrir.

Era Leo.

Ele parecia cansado. Tinha olheiras escuras debaixo dos olhos. Mas não havia remorso no seu rosto, apenas frustração.

Ele entrou sem ser convidado e parou à minha frente.

"Podemos conversar?", ele perguntou, ignorando completamente o meu pai.

"Já não temos nada para conversar," respondi, sem o olhar.

"Clara, para com isto. Foi um erro. Eu estava sob pressão. Cometi um erro de julgamento."

"Um erro de julgamento?", repeti, finalmente olhando para ele. "Tu deixaste-me para morrer, Leo. Tu ignoraste as minhas 15 chamadas. Isso não é um erro, é uma escolha."

"Eu não te deixei para morrer! Isso é ridículo! Eu sabia que o resgate estava a caminho!"

"Mas não sabias se eu estaria viva quando eles chegassem. O meu pai teve um enfarte ao meu lado. E se ele tivesse morrido? E se eu tivesse morrido?"

A minha voz tremia, mas não de tristeza. Era raiva. Pura e fria.

"A Sofia precisava de mim," ele disse, como se isso explicasse tudo.

"E eu não?", gritei, a minha voz a ecoar na sala silenciosa. "Eu, a tua mulher, não precisava de ti?"

Ele passou a mão pelo cabelo, um gesto que eu costumava achar charmoso. Agora, só me irritava.

"Isto não está a levar a lado nenhum. Eu não vim aqui para discutir. Vim para te pedir para retirares o pedido de divórcio. Vamos resolver isto. Podemos fazer terapia de casal."

Terapia de casal. A sugestão era tão absurda que me fez rir. Uma risada amarga e sem alegria.

"Não há nada para resolver, Leo. A única coisa que eu quero de ti é a tua assinatura nos papéis do divórcio."

O seu rosto endureceu. "Tu vais arrepender-te disto, Clara. Vais ficar sozinha e amargurada. Ninguém vai querer uma mulher numa cadeira de rodas."

As suas palavras foram cruéis, calculadas para me ferir.

E elas feriram. Mas também me deram força.

"Sai da minha casa," eu disse, a minha voz baixa e perigosa.

"Clara..."

"SAI!"

O meu pai, que tinha estado a observar em silêncio, deu um passo à frente. "Ouviste a minha filha. Sai."

Leo olhou de mim para o meu pai, o seu rosto uma máscara de raiva e incredulidade. Ele abanou a cabeça e saiu, batendo a porta com força atrás de si.

O silêncio que se seguiu foi pesado.

"Ele tem razão, pai?", perguntei, a minha voz pouco mais que um sussurro. "Vou ficar sozinha?"

O meu pai veio até mim e ajoelhou-se em frente à cadeira de rodas. Ele pegou nas minhas mãos.

"Tu nunca estarás sozinha, filha. Tu tens-me a mim. E tu és a mulher mais forte que eu conheço. Tu vais superar isto. Nós vamos superar isto, juntos."

            
            

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