Passaram-se duas semanas.
A vida assentou numa nova rotina, mais silenciosa.
Eu e a Sofia. Só nós as duas.
O Pedro não ligou. Nem uma vez.
Imaginei-o em Paris, a jantar à luz de velas com a Helena, a "parceira de negócios crucial".
Numa terça-feira à tarde, recebi um email da escola da Sofia.
"Reunião de Pais e Encarregados de Educação. Próxima sexta-feira, 10h. Presença obrigatória para discutir o progresso e o comportamento dos alunos."
Reencaminhei o email para o Pedro.
A minha mensagem foi simples.
"Reunião importante na escola da Sofia. Sexta-feira, 10h. Podes ir?"
A resposta dele chegou em menos de um minuto.
"Impossível. Tenho uma reunião de conselho exatamente a essa hora. Não posso mesmo faltar. Vai tu e depois contas-me."
Senti uma onda de frustração.
Era sempre a mesma coisa.
Respondi: "Pedro, a professora quer falar com os dois. A Sofia tem andado mais calada na sala de aula. Eles estão preocupados."
A resposta dele foi fria.
"Clara, eu dirijo uma empresa. Não posso simplesmente largar tudo por causa de uma reunião escolar. A Helena e eu estamos a fechar o maior negócio da história da empresa. Entendes a pressão? Sê razoável."
A menção à Helena foi deliberada.
Ele sabia que me magoava.
"Ser razoável é esperar que um pai se preocupe com a filha?"
Não houve resposta.
Na sexta-feira, fui à reunião sozinha.
Sentei-me numa cadeira minúscula, em frente à professora da Sofia, a Dona Matilde.
Ela era uma mulher amável, com olhos preocupados.
"Senhora Alves, obrigada por ter vindo. O pai da Sofia não pôde vir?"
"Ele tinha uma reunião de trabalho inadiável," respondi, a desculpa a soar oca até para mim.
Dona Matilde suspirou suavemente.
"Compreendo. Bem, o motivo pelo qual pedi esta reunião é a Sofia. Ela é uma menina doce e inteligente, mas ultimamente... ela está muito distante. Durante as atividades em grupo, ela fica sozinha no canto. E no outro dia, durante a aula de artes, pedi-lhes que desenhassem a sua família."
Ela pegou numa folha de papel e colocou-a na mesa à minha frente.
O meu coração apertou.
Era um desenho típico de criança. Uma casa, o sol, uma árvore.
Havia duas figuras. Uma grande, com cabelo comprido, a sorrir. Era eu.
Ao meu lado, uma figura pequena. A Sofia.
Não havia mais ninguém no desenho.
"Ela disse-me: 'Esta é a minha família. Só a mamã e eu'", disse a Dona Matilde, a sua voz gentil. "Eu perguntei pelo pai. Ela apenas encolheu os ombros e disse 'O papá está sempre a trabalhar'."
As lágrimas picaram-me nos olhos.
Tentei contê-las.
"Nós... divorciámo-nos recentemente," confessei.
A professora assentiu, a sua expressão cheia de compaixão. "Isso explica muita coisa. As crianças sentem tudo, Senhora Alves. Ela precisa de apoio. De ambos."
Saí da escola a sentir-me pesada.
O desenho estava na minha mala. Um pedaço de papel que representava a dolorosa realidade da minha filha.
Quando cheguei ao carro, a raiva sobrepôs-se à tristeza.
Liguei ao Pedro.
Ele atendeu, a sua voz irritada.
"Estou a meio de uma coisa, Clara."
"Acabei de sair da escola da Sofia."
"E então? O que é que a professora disse?"
"Ela disse que a nossa filha desenhou a família dela. E no desenho, só estamos eu e ela. Ela disse à professora que o papá está sempre a trabalhar."
Houve um silêncio do outro lado.
"Ela está a sentir a tua falta, Pedro. Ela está a sofrer."
"Não dramatizes," disse ele, a sua voz a endurecer. "As crianças fazem essas coisas. É uma fase. Ela vai superar."
"Superar? Ela tem cinco anos e pensa que o pai não faz parte da vida dela! Não vês o quão grave isto é?"
Ouvi a voz da Helena ao fundo. "Pedro? Está tudo bem?"
Ele respondeu-lhe, a sua voz a suavizar instantaneamente. "Sim, querida. Só a Clara a ser... a Clara. Já despacho isto."
Ele voltou a falar comigo, o seu tom novamente áspero.
"Olha, tenho de ir. O conselho está à espera. Vou ligar à Sofia mais logo."
"Não te incomodes," disse eu, a minha voz a tremer de raiva contida. "Não faças promessas que não vais cumprir."
Desliguei o telefone.
Agarrei o volante com força, as minhas mãos a tremer.
Ele não entendia.
Ou talvez, pior ainda, ele simplesmente não se importava.
Para ele, a Sofia era um item numa lista de tarefas, uma obrigação a ser cumprida quando fosse conveniente.
Para mim, ela era o meu mundo inteiro.
E naquele momento, percebi que teria de lutar por ela.
Sozinha.