Quando o médico me disse que precisava de um transplante de rim, o meu marido, Pedro, jurou estar ao meu lado e doar o seu.
A sua voz firme encheu-me de esperança.
Mas essa esperança desmoronou-se no dia da cirurgia.
Já estava na sala de pré-operatório, com o cateter inserido.
Uma enfermeira entrou com uma expressão de desculpa: "Senhora Alves, o seu marido retirou o consentimento. A cirurgia foi cancelada."
O meu mundo parou. Liguei para o Pedro, o coração a bater descontroladamente.
A sua voz era distante, sem a habitual calidez.
Ele disse que a sua irmã, Clara, tinha sofrido um acidente grave e que precisava do seu rim.
Não era apenas por querer "estar forte" por ela; ele ia dar-lhe o MEU rim. Aquele que me prometeu.
"Não te preocupes, amor. Eu vou doar o meu. Somos compatíveis."
Como pudeste? A minha doença crónica, que juraste ajudar-me a superar, tornou-se a tua desculpa para me abandonar no momento mais crítico.
Fui um problema a ser resolvido, e ele encontrou uma solução mais conveniente.
As lágrimas que eu segurava finalmente caíram.
Mas ele não me tinha apenas abandonado. Ele tinha assinado a minha sentença.
A minha sogra, Dona Helena, ainda me ligou para me dizer que eu era egoísta e que "a família vem sempre em primeiro lugar".
"Tu podes esperar. Podes fazer diálise," ela disse.
Pedro, sem culpa nos olhos, repetiu que a Clara precisava, que era o destino, e que eu podia fazer diálise.
Naquele momento, eu vi-o claramente. O homem que eu amava não existia.
"Eu quero o divórcio," disse eu, a decisão solidificada.
Ele riu, incrédulo. "Quem é que vai cuidar de ti?"
"Eu prefiro morrer sozinha a viver com um mentiroso."
Comecei as sessões de diálise, ligada à máquina que me mantinha viva.
O Pedro mandou uma mensagem: "A cirurgia da Clara foi um sucesso. O meu rim foi aceite. Os médicos estão otimistas."
Nem perguntou como eu estava.
Foi então que o Miguel, o meu ex-namorado da faculdade, ligou.
"Sofia, eu sei que isto vai parecer uma loucura, mas eu fiz o teste. Eu posso ser um dador universal. Quero ajudar."
Pela primeira vez em semanas, senti um vislumbre de esperança.
Uma esperança que não vinha do homem que me tinha prometido o mundo, mas de um fantasma do meu passado.