Quando o médico me disse que eu precisava de um transplante de rim, o meu marido, Pedro, ficou ao meu lado, segurando a minha mão com força.
"Não te preocupes, amor. Eu vou doar o meu. Somos compatíveis, lembra-te do teste que fizemos?"
A sua voz era firme, cheia de uma promessa que me deu esperança.
Mas essa esperança desmoronou-se no dia da cirurgia.
Eu já estava na sala de pré-operatório, com o cateter inserido, quando uma enfermeira entrou com uma expressão de desculpa.
"Senhora Alves, lamento. O seu marido, o senhor Pedro, retirou o consentimento. A cirurgia foi cancelada."
As suas palavras ecoaram na sala fria. O meu mundo parou.
Liguei para o Pedro, o meu coração a bater descontroladamente.
Ele atendeu, mas a sua voz estava distante.
"O que aconteceu, Pedro? Porque é que cancelaste?"
"Sofia," ele disse, a sua voz sem a habitual calidez, "A minha irmã, a Clara, precisa de mim. Ela sofreu um acidente de carro grave. Estou no hospital com ela."
"Um acidente? Mas a cirurgia..."
"A vida dela está em risco! Não posso arriscar a minha própria saúde agora, percebes? A Clara precisa de mim, e eu tenho de estar forte por ela."
Antes que eu pudesse responder, ouvi uma voz feminina e fraca ao fundo.
"Pedro, a minha cabeça dói tanto... Fica comigo."
Era a Clara.
A sua voz soava frágil, mas para mim, soava como uma sentença de morte.
"Sofia, tenho de ir. Falamos mais tarde."
Ele desligou.
Fiquei a olhar para o teto branco da sala de pré-operatório. O meu corpo estava preparado para uma cirurgia que não ia acontecer. O meu rim doente continuava a falhar dentro de mim.
Ele escolheu-a.
Ele escolheu a irmã que sempre me detestou, a mulher que via a minha doença como um fardo para a sua família.
O médico entrou, o seu rosto sério.
"Sofia, lamento imenso. O Pedro informou-nos que a irmã dele precisa do seu rim. Aparentemente, os rins dela falharam devido ao trauma do acidente."
Fiquei sem palavras.
Então não era apenas por ele querer estar "forte" por ela.
Ele ia dar-lhe o meu rim. O rim que me prometeu.
A ironia era dolorosa. A minha doença crónica, que ele jurou ajudar-me a superar, tornou-se a sua desculpa para me abandonar no momento mais crítico.
Eu era um problema a ser resolvido, e ele encontrou uma solução mais conveniente.
As lágrimas que eu segurava finalmente caíram, silenciosas e quentes no meu rosto.
O Pedro não tinha apenas cancelado a cirurgia.
Ele tinha assinado a minha sentença.