No dia seguinte, comecei a minha primeira sessão de diálise.
O processo era exaustivo. Senti o meu corpo a ficar mais fraco, a minha energia a ser drenada juntamente com as toxinas do meu sangue.
Enquanto estava sentada na cadeira, ligada à máquina que me mantinha viva, o meu telemóvel vibrou.
Era uma mensagem do Pedro.
"A cirurgia da Clara foi um sucesso. O meu rim foi aceite perfeitamente. Os médicos estão otimistas."
Ele nem sequer perguntou como eu estava.
Não respondi.
Em vez disso, liguei a um advogado. Expliquei a situação de forma calma e objetiva.
"Quero o divórcio. E quero metade de tudo."
O advogado foi simpático mas direto. O processo seria complicado, especialmente devido à minha condição de saúde.
Passei os dias seguintes entre o hospital e o escritório do advogado.
O Pedro tentou ligar várias vezes, mas eu ignorei as suas chamadas. Ele começou a deixar mensagens de voz, a sua voz a passar da irritação à preocupação fingida.
"Sofia, onde estás? Pára com isto. Precisamos de conversar."
"A tua mãe está preocupada. Eu estou preocupado. Atende o telefone."
A sua preocupação era uma piada.
Uma semana depois, recebi uma chamada de um número desconhecido. Atendi com hesitação.
"Sofia? É o Miguel."
Miguel. O meu ex-namorado da faculdade. Não falávamos há anos.
"Miguel? Como conseguiste o meu número?"
"A tua amiga Ana contou-me o que aconteceu. Sofia, eu... eu sinto muito. Eu li sobre a tua situação online, num post de angariação de fundos que a tua amiga fez."
Fiquei chocada. A Ana não me tinha dito nada.
"Eu não sabia..."
"Sofia, escuta. Eu sei que isto vai parecer uma loucura, mas eu fiz o teste. O meu tipo de sangue é O negativo. Eu posso ser um dador universal. Quero ajudar."
O meu coração parou por um segundo.
"Miguel, tu não podes... isso é demasiado."
"Não, não é. Eu insisto. Pelo menos deixa-me fazer os testes de compatibilidade. Por favor."
A sua sinceridade era avassaladora. Era um contraste tão grande com a traição do Pedro que as lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto.
Pela primeira vez em semanas, senti um vislumbre de esperança.
Uma esperança que não vinha do homem que me tinha prometido o mundo, mas de um fantasma do meu passado.