Dois dias depois, no funeral do Leo.
Eu estava vestida de preto, de pé ao lado do pequeno caixão branco.
O meu corpo sentia-se pesado, como se estivesse cheio de chumbo.
Eu não conseguia chorar.
Miguel e a sua família estavam do outro lado, a receber as condolências dos convidados.
A Joana estava a chorar alto, a sua dor uma performance para todos verem.
"O meu netinho! O meu querido Leo! Quem te levou de mim?"
As pessoas olhavam para mim com pena e acusação.
Eu era a mãe má, a mãe descuidada que não derramava uma lágrima pelo seu próprio filho.
A minha prima, Sofia, aproximou-se de mim.
Ela era a única pessoa que parecia entender.
Ela segurou a minha mão, a sua presença um pequeno conforto no meu inferno privado.
"Catarina, eu sei que não foi culpa tua", sussurrou ela.
"A tia Joana sempre foi assim. Ela nunca gostou de ti."
Eu assenti, incapaz de falar.
De repente, a Sofia olhou para algo atrás de mim, os seus olhos arregalados.
Eu virei-me.
Era a Beatriz, a melhor amiga do Miguel desde a infância.
Ela estava a segurar um pequeno urso de peluche, o favorito do Leo.
Ela caminhou até ao Miguel e abraçou-o com força.
"Miguel, sinto muito. Eu sei o quanto amavas o Leo."
Miguel abraçou-a de volta, o seu rosto enterrado no ombro dela.
Ele chorou, soluços que abalavam o seu corpo inteiro.
Ele não tinha chorado assim comigo.
Comigo, ele era frio e acusador.
Com ela, ele era vulnerável e de coração partido.
A Joana aproximou-se da Beatriz e segurou a sua mão.
"Beatriz, querida, obrigada por vires. És tão boa para o Miguel. Não como certas pessoas."
Ela olhou diretamente para mim.
A Beatriz deu um sorriso triste e olhou para mim com uma expressão de pena.
"Catarina, os meus pêsames. Deve ser tão difícil para ti."
A sua voz era suave, mas havia algo nos seus olhos que me incomodou.
Uma espécie de satisfação.
Eu apenas olhei para ela, depois desviei o olhar.
Eu não tinha energia para jogos.
Mais tarde, enquanto todos saíam, eu fiquei para trás.
Eu precisava de um momento a sós com o meu filho.
Eu toquei no caixão frio.
"Adeus, meu amor", sussurrei. "A mamã vai fazer justiça por ti."
Quando me virei para sair, vi algo no chão, perto de onde a Beatriz estava.
Era um pequeno recibo de uma farmácia.
Curiosa, peguei nele.
A data era do dia em que o Leo morreu.
A compra era de um medicamento para alergias, um anti-histamínico forte.
O nome no recibo era Beatriz Mendes.
O meu sangue gelou.
Porque é que a Beatriz compraria um medicamento para alergias no dia em que o Leo morreu?
Ela não tinha alergias.
A menos que... a menos que ela soubesse o que ia acontecer.