Dois dias depois, no funeral da minha mãe, eu estava de pé junto à campa aberta, a sentir o vento frio no meu rosto.
Pedro estava ao meu lado, a sua mão no meu ombro, a desempenhar o papel do marido dedicado.
Sofia estava lá, de muletas, o seu pé engessado. Ela olhava para mim com uma expressão de pena que me revirava o estômago.
O meu sogro, o Sr. Alves, aproximou-se de mim depois da cerimónia.
"Lúcia, eu sei que este é um momento difícil. Mas a vida continua."
Ele olhou para Pedro, que estava a ajudar Sofia a caminhar sobre a relva irregular.
"O Pedro tem um bom coração. Ele só quer ajudar toda a gente. A Sofia tem passado por muito."
Eu não disse nada. Apenas assenti, a minha garganta apertada demais para falar.
Mais tarde, em casa, o silêncio era pesado. A casa que partilhávamos parecia agora um lugar estranho.
Pedro entrou na cozinha enquanto eu olhava fixamente para uma chávena de chá.
"A Sofia vai ficar connosco por uns dias."
Eu levantei a cabeça.
"O quê?"
"Ela não consegue subir as escadas do apartamento dela com a perna assim. O nosso quarto de hóspedes está vazio. É só até ela melhorar."
A sua voz era calma, razoável. Como se fosse a coisa mais normal do mundo.
"Não."
Ele franziu a testa.
"O que queres dizer com 'não'?"
"Eu não a quero na minha casa."
"Esta também é a minha casa, Lúcia. E eu já decidi. Ela precisa da nossa ajuda. Não sejas egoísta."
Egoísta.
Eu, que tinha acabado de perder a minha mãe e o meu filho, era egoísta.
A raiva, uma emoção que eu não sentia há dias, começou a borbulhar dentro de mim.
"Ela tem outros amigos. Ela tem família. Porque é que tem de ser aqui?"
"Porque eu ofereci! Porque é isso que as pessoas decentes fazem! Tu devias ter um pouco mais de compaixão, especialmente depois do que aconteceu."
Ele usou a minha perda contra mim.
Eu levantei-me, a minha cadeira arrastou no chão.
"Fora."
"Desculpa?"
"Pega nela e sai da minha casa. Quero o divórcio, Pedro."