A cara do Pedro passou da irritação para a incredulidade total.
"Divórcio? Estás a brincar comigo? Depois de tudo o que passámos?"
"O que é que nós passámos, Pedro? Eu passei por um acidente de carro. Eu passei por uma cirurgia. Eu perdi o nosso filho. Eu perdi a minha mãe. Onde estavas tu?"
"Eu já te disse! Eu estava a ajudar uma amiga em necessidade!" ele gritou, a sua voz a ecoar na cozinha silenciosa.
"Uma amiga que por acaso é a mulher que tu amavas antes de mim."
"Isso é ridículo! É passado! Estás a ser irracional e hormonal."
A palavra "hormonal" atingiu-me como um tapa. Ele estava a culpar a minha dor, o meu corpo, pela sua traição.
"Eu quero que saias. Agora."
Ele riu, um som amargo e sem humor.
"Eu não vou a lado nenhum. Esta casa é tanto minha como tua. Se queres o divórcio, boa sorte a lutar por ela. E a Sofia vem para cá amanhã."
Ele virou-me as costas e saiu da cozinha, deixando-me a tremer de uma raiva impotente.
Na manhã seguinte, acordei com o som de vozes na sala de estar.
Levantei-me, o meu corpo ainda dorido, e caminhei lentamente pelo corredor.
Lá estava ela. Sofia, sentada no meu sofá, com a perna engessada apoiada numa almofada.
Pedro estava a dar-lhe uma chávena de chá, a sorrir para ela com uma ternura que eu não via dirigida a mim há anos.
Eles não me ouviram aproximar.
"Obrigada por tudo, Pedro. Eu não sei o que faria sem ti. A Lúcia deve ser tão compreensiva."
A voz dela era doce, cheia de uma falsa inocência.
Pedro suspirou.
"Ela está a passar por uma fase difícil. Está muito emotiva. Mas ela vai acabar por perceber. Ela só precisa de tempo."
Eles falavam de mim como se eu fosse uma criança difícil, uma inconveniência.
Eu entrei na sala.
"Ela não precisa de tempo. Ela precisa que vocês os dois saiam da casa dela."
Eles viraram-se, surpreendidos. A cara de Sofia passou de um sorriso doce para uma máscara de preocupação ferida.
"Lúcia, eu não queria causar problemas..."
"Então sai."
Pedro levantou-se, a sua cara vermelha de fúria.
"Já chega, Lúcia! Pede desculpa à Sofia agora mesmo!"
"Não."
Eu olhei para ele, e depois para ela.
"Se vocês não saírem, eu chamo a polícia."