Quando acordei, o cheiro de desinfetante encheu as minhas narinas, e uma dor aguda no meu tornozelo lembrou-me de tudo.
O meu noivo, Pedro, estava sentado ao lado da cama, descascando uma maçã com uma faca. A lâmina movia-se lenta e metodicamente.
Ele nem sequer olhou para mim.
"Acordaste?"
A sua voz era fria, sem qualquer emoção.
"Onde está a mamã?" perguntei, a minha garganta seca e áspera.
Ele parou de descascar a maçã e finalmente levantou os olhos. O seu olhar era pesado, acusador.
"A tua mãe está bem. Ela teve sorte. Mas tu, Sofia, foste uma grande deceção."
Não entendi. Deceção? Eu quase morri no acidente de carro. A minha mãe estava no mesmo carro.
"O que queres dizer?"
Pedro colocou a maçã e a faca de lado com um baque seco na mesa de cabeceira.
"O Dr. Mendes disse que a tua mãe está a recuperar bem, mas o teu comportamento foi imprudente. Conduzir daquela forma, colocar a vida dela em risco... E agora, por causa do teu tornozelo partido, o nosso casamento terá de ser adiado."
A sua voz era calma, mas cada palavra era como um peso sobre mim.
"Não fui eu que causei o acidente, Pedro. Um camião desgovernado atingiu-nos."
"Não importa", ele cortou-me. "O resultado é o mesmo. A tua mãe ficou ferida. O nosso casamento foi adiado. E o mais importante, a reputação da minha família está em jogo. As pessoas vão falar."
Senti um arrepio. A reputação da família dele? Era só com isso que ele se preocupava?
"Pedro, vamos cancelar o casamento."
As palavras saíram da minha boca antes que eu pudesse detê-las. Eu estava cansada. Cansada da sua frieza, do seu egoísmo.
Ele olhou para mim, os seus olhos a estreitarem-se. Por um momento, não disse nada. Depois, um sorriso frio apareceu no seu rosto.
"Cancelar? Sofia, não sejas ridícula. Estás noiva de mim há dois anos. A tua mãe adora-me. Achas mesmo que podes simplesmente cancelar tudo por causa de um pequeno desentendimento?"
"Não é um pequeno desentendimento", insisti, a minha voz a tremer ligeiramente. "Tu não te importas comigo. Só te importas contigo mesmo e com a tua família."
"Claro que me importo contigo", disse ele, o seu tom a tornar-se condescendente. "É por isso que estou aqui, a cuidar de ti. Mas tens de entender as prioridades. A imagem da família vem em primeiro lugar. Agora descansa. Falaremos sobre isto quando estiveres mais calma."
Ele levantou-se, pegou no seu casaco e saiu do quarto sem olhar para trás.
Fiquei a olhar para a porta fechada, o meu coração a afundar-se. Ele estava certo sobre uma coisa. A minha mãe adorava-o. Ela via-o como o filho perfeito que nunca teve, o genro ideal que lhe daria a segurança que ela sempre desejou.
Cancelar o casamento não seria fácil. Seria uma guerra.