A Joana entrou no quarto, hesitante. Os seus olhos estavam vermelhos e inchados, como se tivesse chorado durante horas.
Ela usava um vestido caro, o mesmo da gala, agora amarrotado. Parecia pequena e perdida nele.
"Lara... eu soube. A tia Sofia contou-me."
Eu olhei para ela, sem dizer nada. A minha prima, a rapariga que eu tinha ajudado tantas vezes, que eu tinha tratado como uma irmã mais nova.
"Eu sinto muito," disse ela, a sua voz um sussurro. "Eu não queria causar problemas."
"Não querias?" A minha voz era cortante. "Mas causaste, Joana. Estás aqui, no hospital mais caro da cidade, por causa de um ataque de pânico. E o meu marido, o homem cuja vida eu salvei há poucas horas, está lá fora a segurar a tua mão."
Ela encolheu-se. "Não foi assim... Eu estava realmente mal. Pensei que ia morrer."
"E eu? Achas que foi fácil para mim? Estar numa mesa de operações, a dar uma parte de mim para salvar o teu primo?"
As lágrimas começaram a rolar pelo rosto dela. "Eu sei, Lara. E estou-te muito grata. Tu salvaste o Pedro. Salvaste a nossa família."
"A vossa família," repeti eu, saboreando a amargura das palavras. "Eu nunca fiz parte dela, pois não? Eu era apenas a dador. A peça de substituição."
"Isso não é verdade! O Pedro ama-te!"
"Ama-me? Ele bloqueou o meu número, Joana. Ele gritou comigo porque eu ousei pedir o divórcio depois de ele me ter abandonado. Isso é amor?"
Ela não conseguiu responder. Apenas ficou ali, a chorar silenciosamente.
"Sabes, Joana," continuei eu, a minha voz agora perigosamente calma. "Eu sempre te ajudei. Quando precisavas de dinheiro para os teus cursos, eu dei-to. Quando tiveste problemas com os teus namorados, eu ouvi-te. Eu tratei-te como família."
"E tu... tu pagaste-me com isto."
Ela deu um passo em frente, a mão estendida. "Lara, por favor. Não faças isto. Não destruas a nossa família."
"Já está destruída," disse eu, virando o rosto para a janela. "Agora, por favor, sai. Quero ficar sozinha."
Ela ficou parada por mais um momento, depois virou-se e saiu, os seus soluços a ecoarem no corredor.
Senti um nó na garganta. Parte de mim sentia pena dela. Ela era fraca, sempre foi. Facilmente manipulada pela mãe e pela Sofia.
Mas a pena não era suficiente para apagar a traição.
Alguns minutos depois, uma enfermeira entrou. "Senhora Almeida? Tem alta. O seu marido tratou de toda a papelada."
Claro que tratou. Ele queria que eu saísse dali o mais rápido possível. Para que eu pudesse voltar para casa e continuar a ser a sua esposa obediente.
"Eu não vou para casa," disse eu à enfermeira. "Pode chamar-me um táxi, por favor?"
Ela olhou para mim, confusa. "Mas... a sua família está à sua espera."
"Eles não são a minha família," disse eu, com uma firmeza que me surpreendeu.
Levantei-me da cama, devagar. A dor no meu lado era uma lembrança constante do que eu tinha perdido. E do que eu tinha acabado de ganhar.
A minha liberdade.