O táxi deixou-me em frente ao prédio do Tiago. Era um bairro modesto, muito diferente do condomínio de luxo onde eu vivia com o Pedro.
O Tiago estava à minha espera na porta, com uma expressão preocupada.
"Lara, estás bem? Devias estar a descansar."
"Eu estou bem, Tiago. Só não conseguia ficar mais um minuto naquele hospital."
Ele pegou na minha pequena mala, a única coisa que eu tinha trazido. "Vem, entra. Preparei o quarto de hóspedes para ti."
O apartamento dele era pequeno, mas acolhedor. Cheirava a café e a livros. Senti-me segura ali, pela primeira vez em muito tempo.
"Senta-te, vou fazer-te um chá," disse ele, guiando-me para o sofá.
Enquanto ele estava na cozinha, olhei em volta. Havia pilhas de livros por todo o lado, fotografias dos seus pais, uma guitarra encostada à parede. Era a casa de uma pessoa real, com uma vida real.
A minha casa com o Pedro parecia um showroom de uma revista de decoração. Impessoal, fria.
O Tiago voltou com duas canecas de chá. Sentou-se ao meu lado.
"Então," disse ele, gentilmente. "Queres falar sobre isso?"
Eu assenti. E contei-lhe tudo de novo. Mas desta vez, não era apenas sobre a traição do Pedro. Era sobre os anos de pequenas humilhações, de me sentir invisível, de anular quem eu era para caber no molde da "esposa perfeita".
Falei sobre como a Sofia criticava a minha roupa, a minha maneira de falar, a minha falta de "classe". Falei sobre como o Pedro nunca me defendia, apenas me pedia para "ter paciência" e "não criar problemas".
Falei sobre como eu tinha desistido da minha carreira como designer gráfica para me tornar uma dona de casa, porque era isso que se esperava de mim.
O Tiago ouviu-me em silêncio, o seu rosto a endurecer a cada palavra.
"Lara, eu não fazia ideia," disse ele, quando eu terminei. "Eu sinto muito. Devia ter percebido."
"Não é culpa tua, Tiago. Eu era boa a fingir. Até eu quase acreditei na mentira."
Bebi um gole de chá. Estava quente, reconfortante.
"Eles vão lutar, sabes," disse o Tiago. "A família Almeida não gosta de perder. Especialmente em público."
"Eu sei. A Sofia já me ameaçou. Disse que eu ia sair sem nada."
"Isso não vai acontecer," disse o Tiago, a sua voz firme. "Tu deste-lhe um rim. Isso não é 'nada'. Isso é um sacrifício enorme. Vamos usar isso. Vamos lutar por uma compensação justa. E vamos expor o que eles fizeram."
Olhei para ele, grata. "Obrigada, Tiago. Eu não conseguiria fazer isto sem ti."
"Somos amigos, Lara. É para isso que eles servem."
Naquela noite, dormi num sono profundo e sem sonhos. Acordei na manhã seguinte com o som do telemóvel a vibrar.
Era um número desconhecido. Atendi.
"Lara Almeida?" A voz era fria, profissional.
"Sim, sou eu."
"O meu nome é Ricardo Neves. Sou o advogado da família Almeida. O meu cliente, o senhor Pedro Almeida, gostaria de agendar uma reunião para discutir os termos do vosso divórcio."
O jogo tinha começado.