Acabei de acordar de uma cirurgia de transplante de rim. O sol poente pintava o quarto de hospital de dourado, mas eu sentia um frio na alma.
Mal o telefone tocou, a voz irritada do meu marido, Pedro, explodiu: "O que foi agora, Lara? A cirurgia já não acabou? Não tiveste pena de mim? A mãe da Joana teve um ataque de pânico e eu estou aqui com ela no hospital!"
Nesse exato momento, ouvi a voz da minha prima, Joana, no fundo, cheia de falsa fragilidade, agradecendo-lhe, enquanto minha sogra, Sofia, a tratava com uma doçura que nunca dedicou a mim.
Meu coração desabou. Eu acabei de lhe dar um rim, uma parte de mim, para salvar a vida dele, e ele estava com outra, tratando dela enquanto eu estava sozinha no hospital.
Aquele rim, que agora batia dentro dele, parecia um prego na minha alma. Eu não conseguia entender: a minha vida quase perdida valia menos que um ataque de pânico da minha prima?
Naquele instante, a minha decisão foi clara e cruelmente simples: divórcio. Eu tinha perdido um rim, mas ganharia a minha liberdade.