Mais tarde nessa noite, depois de o Lucas finalmente adormecer, exausto de chorar, o Pedro chegou a casa.
Ele entrou no quarto sem fazer barulho, provavelmente a pensar que eu estava a dormir.
"Mariana?", sussurrou ele.
Sentei-me na cama. A luz do corredor iluminava a sua silhueta.
"Onde estiveste, Pedro?"
Ele suspirou, um som cansado e irritado.
"Já sabes onde estive. A minha mãe ligou-me. A Sofia precisava de mim."
"E o teu filho?", perguntei, a minha voz baixa e fria. "Ele também precisava de ti. Era o aniversário dele."
"Eu sei, e sinto muito", disse ele, mas o seu tom não tinha qualquer arrependimento. "Mas a Sofia estava num estado terrível. O Tiago terminou com ela. Tive de a levar a jantar fora para a animar."
Levar a jantar fora. Enquanto o seu filho de três anos esperava por ele em frente a um bolo que nunca foi cortado.
A raiva subiu pela minha garganta, quente e amarga.
"Tu não sentes nada, Pedro. Se sentisses, terias estado aqui."
Ele aproximou-se da cama, a sua voz a baixar para um tom supostamente conciliador.
"Mariana, não vamos discutir. Eu estou cansado. Tu estás cansada. Foi um dia difícil para todos."
"Para todos? O Lucas passou o dia a perguntar por ti. A tua mãe disse-me que eu sou egoísta por querer o meu marido no aniversário do nosso filho."
"A minha mãe exagera, tu sabes como ela é", disse ele, descartando as minhas preocupações. "E tu sabes como a Sofia é. Ela depende de mim."
"E nós? Eu e o Lucas? Não dependemos de ti? Ou a nossa dependência não é tão excitante como os dramas da tua irmã?"
Ele finalmente perdeu a paciência.
"Qual é o teu problema? A minha mãe disse que tu falaste em divórcio. Estás a falar a sério? Por causa disto? Vais deitar fora o nosso casamento por causa de um bolo de aniversário?"
"Não é por causa do bolo, Pedro. É por causa de tudo o que ele representa. É por causa de todos os momentos que perdeste. É por estares sempre a escolher a tua família de origem em vez da família que criaste comigo."
"Eles são a minha família!", gritou ele, agora em voz alta.
"E eu, o que sou? O que é o Lucas? Um inconveniente?"
Ele passou as mãos pelo cabelo, frustrado.
"Claro que não! Eu amo-vos! Mas não podes pedir-me para virar as costas à minha irmã quando ela precisa de mim!"
"Ninguém te pediu para lhe virares as costas. Pedi-te para estabeleceres prioridades. E hoje, a tua prioridade deveria ter sido o teu filho."
Ele ficou em silêncio por um longo momento.
"A minha mãe tem razão", disse ele finalmente, a sua voz cheia de ressentimento. "Tu tornaste-te amarga e exigente."
Com isso, ele virou-se, saiu do quarto e fechou a porta com força.
Ouvi-o a ir para o quarto de hóspedes.
Fiquei sentada no escuro, o coração a bater descontroladamente. Era o fim. Eu sabia disso. E, por mais que doesse, também senti um estranho alívio.