O meu coração batia depressa. A minha mãe estava sentada ao meu lado, os seus olhos vermelhos e inchados de tanto chorar. Ela segurava a minha mão com força.
Eu sabia que era o fim. O nosso casamento não podia continuar.
O telefone tocou, tocou, tocou. Um som frio e vazio. Quando estava prestes a desligar, ele atendeu. A sua voz estava cheia de irritação.
"O que foi agora, Lúcia? Estou ocupado!"
Antes que eu pudesse responder, ouvi outra voz ao fundo. Era a Sofia, a minha cunhada. A sua voz era doce e um pouco mimada.
"Pedro, o meu joelho ainda dói tanto. Podes ir buscar-me mais gelo? E o Biscoito ainda não comeu nada, estou tão preocupada."
Depois, ouvi a voz da minha sogra, a D. Helena.
"Meu filho, não te preocupes com a Lúcia. A Sofia é que precisa de ti agora. Ela caiu das escadas por tua causa, tens de cuidar bem dela. Pobrezinha, está com tantas dores."
A Sofia caiu das escadas. O cão dela não comeu. E por isso, o meu marido ignorou as minhas dezoito chamadas enquanto a minha irmã lutava pela vida.
Um sorriso amargo formou-se nos meus lábios.
"Pedro," disse eu, a minha voz a tremer um pouco, "quero o divórcio."
Houve um silêncio por um segundo. Depois, a raiva dele explodiu através do telefone.
"Divórcio? Ficaste maluca? A tua irmã sofreu um acidente, não foi? E eu não estou aqui a cuidar da minha própria irmã? A Sofia também está magoada! Não tens um pingo de compaixão?"
"Ela caiu das escadas, Pedro. A Beatriz foi atropelada por um carro."
"E então? Uma lesão é uma lesão! Estás a dizer que a dor da tua irmã é mais importante que a dor da minha? Para de ser tão egoísta! A Sofia precisa de mim! És a esposa, devias compreender!"
Ele gritava, e cada palavra era um peso no meu peito.
"Não posso mais, Pedro. Acabou."
"Acabou? Estás a ameaçar-me? Lúcia, pensa bem! Quem é que te vai querer depois de um divórcio? Pensa na tua família, na tua mãe. Queres envergonhá-los a todos?"
Ele desligou o telefone na minha cara.
Tentei ligar de novo. Ele tinha-me bloqueado.
Olhei para o ecrã escuro do telemóvel. Ele tinha razão numa coisa. Eu pensava sempre na minha família. Foi por isso que aguentei tanto tempo.
Casei-me com o Pedro porque a minha família precisava de ajuda. O negócio do meu pai tinha falido, e a família dele era rica e poderosa. O meu casamento foi um negócio para salvar a minha família.
Eu pensei que com o tempo, ele poderia aprender a amar-me. Ou pelo menos, a respeitar-me.
Enganei-me.
Para ele, eu era apenas um meio para um fim. Uma esposa conveniente. Mas a família dele, a irmã dele, até o cão da irmã dele, seriam sempre mais importantes.
Onde estava ele quando eu precisei dele? Onde estava ele quando a minha irmã estava a ser operada de urgência?
Ele estava a pôr gelo no joelho da irmã.
A dor no meu peito era forte. Olhei para a porta do quarto da minha irmã. Ela estava a dormir, pálida e frágil. Ela era tudo o que me restava do meu pai.
Eu tinha de ser forte por ela.
O telemóvel da minha mãe tocou de repente. Era a minha sogra, a D. Helena.
A minha mãe hesitou, depois atendeu. A voz da D. Helena era alta e cheia de desprezo, e eu conseguia ouvi-la perfeitamente.
"Clara! Que raio de filha é que tu educaste? Ela atreve-se a pedir o divórcio ao meu filho? Só porque ele está a cuidar da própria irmã? Ela não tem vergonha? Diz à tua filha para parar com estas parvoíces imediatamente, ou então vocês as duas vão arrepender-se!"
A minha mãe ficou pálida. Ela olhou para mim, com os olhos cheios de medo e preocupação.
Eu tirei o telemóvel da mão dela.
"Dona Helena," disse eu, com a voz firme. "A decisão é minha. O seu filho e eu vamos divorciar-nos."