"Acabou? Tu não decides quando acaba! O Pedro é o meu filho! Ele cometeu um erro, está bem. Ele devia ter ido ter contigo. Mas pedir o divórcio por causa disso? É ridículo! És uma ingrata!"
"Um erro?", repeti, incrédula. "A minha irmã quase morreu. Ele nem sequer atendeu o telefone. Isso não é um erro, é uma escolha. Ele escolheu a irmã dele em vez da esposa dele. Sempre."
"A Sofia é a família dele! Sangue do seu sangue! Tu és apenas a esposa!"
As palavras dela pairaram no ar. "Apenas a esposa."
Era isso que eu era para eles. Um acessório. Um contrato.
"Exatamente," disse eu. "E esta esposa já teve o suficiente. Vou enviar os papéis do divórcio ao Pedro amanhã."
Desliguei o telefone antes que ela pudesse gritar mais.
A minha mãe olhava para mim, com uma mistura de orgulho e terror nos olhos.
"Filha, tens a certeza? Eles são... perigosos. Eles podem arruinar-nos."
"Mãe, eles já nos arruinaram. O que mais nos podem tirar? O nosso orgulho? Eu já não tenho nenhum. Só quero a minha vida de volta. Só nos quero a nós de volta."
Ela abraçou-me com força. As lágrimas dela molharam o meu ombro.
"Estou contigo, filha. Sempre."
Na manhã seguinte, a primeira coisa que fiz foi ligar ao meu advogado. Expliquei-lhe a situação. Ele disse que seria um divórcio complicado, por causa dos interesses comerciais.
"Eles vão lutar com unhas e dentes, Lúcia. Especialmente por causa da empresa."
"Eu sei," disse eu. "Mas eu não quero o dinheiro deles. Não quero a empresa. Só quero a minha liberdade."
Quando saí do escritório do advogado, senti-me mais leve. Mas também sabia que a guerra estava apenas a começar.
O meu telemóvel tocou. Era um número desconhecido. Atendi.
"Lúcia, sou eu, a Sofia."
A voz dela era chorosa e fraca.
"O que queres, Sofia?"
"Por favor, não te divorcies do Pedro. Ele ama-te. Ele estava apenas preocupado comigo. Eu caí, sabes? Doeu tanto."
"Eu sei. E a minha irmã foi atropelada por um carro."
Houve uma pausa.
"Isso é diferente," disse ela. "Tu és forte. A tua família é forte. Eu... eu sou frágil. Preciso do meu irmão. Por favor, Lúcia. Pensa na nossa família."
"Eu estou a pensar na minha família, Sofia. E é por isso que estou a fazer isto."
Desliguei.
Eles não entendiam. Eles nunca iriam entender. Para eles, o mundo girava em torno deles, das suas necessidades, dos seus pequenos dramas. A dor dos outros era apenas um inconveniente.
Voltei para o hospital. A Beatriz estava acordada.
Ela sorriu quando me viu. Um sorriso fraco, mas era um sorriso.
"Mana," disse ela, a voz rouca. "Onde está o Pedro?"
O meu coração apertou.
"Ele... ele teve de resolver umas coisas, Bia."
Eu não conseguia dizer-lhe a verdade. Não ainda. Ela precisava de recuperar.
Sentei-me ao lado dela e segurei a sua mão. A mesma mão que eu segurava quando éramos crianças e tínhamos medo do escuro.
"Eu estou aqui, Bia. Não vou a lado nenhum."
Ela adormeceu pouco depois. Fiquei a observá-la, a respiração dela calma e regular.
O meu telemóvel vibrou. Era uma mensagem do Pedro.
"Precisamos de falar. Encontra-me no nosso café. Agora."
Não era um pedido. Era uma ordem.
Por um momento, hesitei. Mas depois olhei para a minha irmã. Lembrei-me das palavras da D. Helena. "Apenas a esposa."
Eu não era "apenas" nada.
Respondi à mensagem dele.
"Não."