O funeral da Sofia foi num dia de sol radiante.
O céu estava de um azul tão limpo que parecia falso.
Eu estava vestido de preto, de pé em frente à sua campa, sentindo-me como uma concha vazia.
A minha mãe, a Laura, estava ao meu lado, a dar-me palmadinhas no ombro.
"Lucas, não fiques assim. As pessoas não podem voltar dos mortos. Ainda tens um filho para criar."
O Tiago e a Clara também estavam lá.
A Clara tinha os olhos vermelhos, parecia genuinamente triste.
Ela aproximou-se e disse em voz baixa: "Lucas, desculpa. Se soubéssemos que isto ia acontecer, nunca teríamos chamado por ti."
O Tiago acrescentou: "Sim, mano. A culpa é minha. Podes bater-me, podes ralhar comigo, o que quiseres."
Eu olhei para eles.
A culpa era deles?
A culpa era minha.
Fui eu que fiz a escolha. Eu escolhi deixá-la.
A Helena, minha sogra, estava do outro lado, o seu olhar era frio como gelo.
Ela não disse uma palavra para mim ou para a minha família durante todo o funeral.
Quando a cerimónia acabou, ela caminhou até mim.
"Lucas, eu quero a guarda do meu neto."
Fiquei chocado. "O quê? Ele é meu filho."
"Teu filho?" ela riu-se, um som amargo. "Quando a Sofia mais precisava de ti, onde estavas? Tu não és digno de ser pai dele. Eu não vou deixar o meu neto ser criado por um homem irresponsável como tu."
A minha mãe interveio imediatamente. "Helena, como podes dizer isso? O Lucas é o pai da criança! O nome dele é Mateus, Mateus Almeida. Ele pertence à família Almeida."
"Família Almeida?" A Helena olhou para a minha mãe, para o Tiago, e para a Clara. "A vossa família matou a minha filha."
A cara da minha mãe ficou pálida. "Não digas disparates!"
"Eu não estou a dizer disparates." A Helena apontou para o Tiago. "Foi ele que te ligou, não foi? E tu, Lucas, abandonaste a tua mulher em trabalho de parto para ires socorrê-los. Diz-me, que emergência era assim tão grande?"
O Tiago baixou a cabeça, sem dizer nada.
A Clara falou, a sua voz a tremer. "O nosso carro avariou... eu estava a sentir-me mal."
"A sentir-se mal?" A Helena olhou-a de cima a baixo. "Pareces bem agora. A minha filha está morta, mas tu estás aqui, perfeitamente bem. A tua indisposição era mais importante que a vida da minha filha?"
As suas palavras eram cruéis, mas eu não conseguia refutá-las.
"Isto não tem nada a ver contigo," eu disse à Helena, a minha voz rouca. "O Mateus fica comigo."
"Veremos," disse ela, virando-se para ir embora. "Vou levar isto a tribunal. Eu vou provar que tipo de pai tu és."
Eu vi-a afastar-se, e um sentimento de pânico apoderou-se de mim.
Ela estava a falar a sério.
Ela queria tirar-me o meu filho. A única coisa que me restava da Sofia.