A vida sem a Sofia era um inferno silencioso.
A casa estava cheia das suas coisas, o seu cheiro ainda pairava no ar.
Eu cuidava do Mateus como um autómato.
Dava-lhe o biberão, mudava-lhe as fraldas, embalava-o para dormir.
Cada vez que ele chorava, o meu coração partia-se um pouco mais.
A minha mãe vinha ajudar durante o dia.
Ela tentava animar-me.
"Lucas, tens de seguir em frente. Pelo Mateus."
Mas como é que eu podia seguir em frente?
Eu estava preso no dia em que a Sofia morreu.
Uma semana depois do funeral, recebi uma carta oficial.
A Helena tinha mesmo avançado com o processo de custódia.
Mostrei a carta à minha mãe. Ela ficou furiosa.
"Essa mulher enlouqueceu! Ela não tem direito nenhum! Tu és o pai!"
"Ela vai usar o que aconteceu no hospital contra mim," eu disse, a minha voz vazia. "Ela vai dizer que eu sou um pai negligente."
"Isso é um disparate!" A minha mãe bateu na mesa. "Tu só foste ajudar o teu irmão! Foi um acidente, uma tragédia! Ninguém queria que isto acontecesse!"
Ela olhou para mim, os seus olhos suplicantes.
"Lucas, tu não podes perder o Mateus. Ele é um Almeida. Ele é tudo o que te resta da Sofia."
Eu sabia que ela tinha razão.
Eu não podia perder o meu filho.
Naquela noite, o Tiago e a Clara vieram jantar.
A minha mãe cozinhou, tentando criar uma sensação de normalidade.
Mas o clima era pesado.
Durante o jantar, a minha mãe falou sobre o processo de custódia.
"A Helena está a tentar tirar-nos o Mateus," disse ela, a sua voz cheia de ressentimento.
A Clara largou os talheres. "Oh, meu Deus. Isso é horrível."
O Tiago parecia culpado. "Isto é tudo por minha causa."
"Não é altura para culpas," disse a minha mãe bruscamente. "É altura de nos unirmos como uma família. Temos de apoiar o Lucas."
Ela olhou para a Clara.
"Clara, querida. Tu e o Tiago terão de testemunhar em tribunal. Terão de explicar ao juiz que foi uma emergência. Que o Lucas não teve escolha."
A Clara olhou para o prato dela. "Claro, tia Laura. Faremos o que for preciso."
Mas havia algo na sua hesitação que me deixou inquieto.
Mais tarde, quando estavam a sair, ouvi-os a discutir em voz baixa no corredor.
"Tiago, eu não sei se consigo fazer isto," disse a Clara. "Mentir em tribunal? E se eles descobrirem?"
"Não é mentir," respondeu o Tiago. "É só... omitir alguns detalhes. Temos de ajudar o meu irmão."
"Que detalhes?" perguntou ela. "O detalhe de que eu só estava com um pouco de dor de cabeça e tu entraste em pânico? O detalhe de que poderíamos ter chamado um táxi ou um reboque, mas tu insististe em chamar o Lucas?"
Fiquei gelado.
Uma dor de cabeça.
A emergência deles foi uma dor de cabeça.
Eu deixei a minha mulher, que estava a dar à luz, por causa de uma dor de cabeça.
A porta fechou-se e eles foram-se embora.
Eu fiquei parado no escuro, o som das suas palavras a ecoar na minha cabeça.
A minha própria família. Eles mentiram-me.
E agora, eles queriam mentir em tribunal para me "ajudar".
A náusea subiu-me pela garganta.