A luz branca do hospital era a primeira coisa que eu via. O meu corpo doía, um tipo de dor oca e vazia. A minha barriga, antes redonda e pesada, estava agora estranhamente leve, coberta por um lençol fino.
O meu filho, o nosso filho, estava na unidade de cuidados intensivos neonatais.
Uma cesariana de emergência. Foi o que a enfermeira disse antes de eu apagar.
Estava sozinha.
Agarrei no meu telemóvel com os dedos a tremer. O nome na tela era "Miguel". O meu marido.
A chamada demorou a ser atendida. Quando ele finalmente falou, a sua voz estava distante, irritada.
"Clara? O que foi agora? Estou ocupado."
"Ocupado?", a minha voz saiu como um sussurro rouco. "Miguel, o bebé nasceu."
Houve um silêncio do outro lado. Depois, um suspiro pesado.
"Eu sei. A tua mãe ligou-me. Olha, eu não posso ir agora. A Sofia teve um ataque de pânico horrível, estou com ela."
Sofia. A sua prima. A sua alma gémea platónica, como ele gostava de dizer.
Ao fundo, ouvi a voz dela, nada parecida com a de alguém em pânico.
"Miguel, querido, pedimos a pizza com ou sem ananás? E diz à Clara que estou a rezar muito pelo Tiago."
Tiago. Eu nem sequer tinha tido a chance de lhe dizer o nome que escolhi. A minha mãe tinha-se adiantado.
Senti um frio que não vinha do ar condicionado do quarto.
"Miguel, quero o divórcio."
A frase saiu sem pensar, mas soou mais verdadeira do que qualquer coisa que eu tinha dito em anos.
Ele riu. Uma risada curta e sem humor.
"Não sejas dramática, Clara. Estás sensível por causa das hormonas. A Sofia precisa de mim. Tu estás num hospital, o sítio mais seguro do mundo. Falamos amanhã."
Ele desligou.
Não tentei ligar de volta.
Olhei para o teto branco, e pela primeira vez em muito tempo, não chorei. Eu apenas senti um vazio imenso a instalar-se onde antes havia esperança.
O telemóvel tocou de novo. Desta vez era a minha sogra, Beatriz.
Atendi, à espera de uma palavra de conforto.
"Clara, o que é que tu fizeste?", a voz dela era uma acusação. "Andaste a stressar, não foi? Sempre te disse que tinhas de ter mais calma. Agora o meu neto nasce prematuro por tua causa. O Miguel está destroçado, coitado, e ainda tem de andar a cuidar da Sofia, que ficou num estado de nervos por tua culpa."
Ela continuou a falar, mas eu já não ouvia.
Desliguei a chamada e bloqueei o número dela.
Depois, bloqueei o do Miguel.
Fechei os olhos. No escuro do meu quarto de hospital, uma decisão formou-se, clara e sólida como uma rocha. Eu ia sair dali. Com o meu filho. Sozinha.