A Sofia sempre existiu. Ela não era uma ameaça nova, era uma constante, como o ar que se respira.
Lembro-me do nosso primeiro aniversário de casamento. Eu tinha reservado uma mesa no nosso restaurante favorito, aquele onde ele me pediu em casamento. Vesti o meu melhor vestido. Esperei.
Ele ligou uma hora depois da hora marcada.
"Amor, desculpa. A Sofia... ela precisava de ajuda. O senhorio dela é um idiota e ela precisava de mudar um sofá pesado. Não a podia deixar sozinha."
"Um sofá, Miguel?"
"Não é só um sofá, Clara. É o princípio. Ela estava tão em baixo. Tu entendes, não é? És forte."
Eu entendia. Eu sempre entendia.
Cancelei a reserva, comi uma sanduíche fria em casa, sozinha. No dia seguinte, vi uma foto no Instagram. A Sofia, a rir, num bar com amigos. Atrás dela, via-se a esquina do restaurante onde eu deveria ter estado com o meu marido. O sofá podia esperar, pelos vistos.
Quando o confrontei, ele ficou zangado.
"Estás a controlar-me? Ela estava mal, eu fui ajudá-la, e depois os amigos apareceram para a animar. Fiquei só um bocado. Qual é o teu problema? Tens ciúmes da minha prima?"
Eu não tinha ciúmes. Tinha cansaço.
Era sempre assim. Uma torneira que pingava em casa dela era uma emergência nacional. Uma gripe dela era motivo para ele faltar a um jantar com os meus pais. Uma má nota num exame da faculdade dela era uma tragédia que exigia o seu apoio incondicional durante dias.
A minha promoção no trabalho? "Que bom, querida."
A morte da minha avó? "Os meus pêsames. A Sofia está com uma enxaqueca terrível, tenho de ir ver dela."
Beatriz, a mãe dele, aplaudia.
"És um filho de ouro, Miguel. A família vem sempre em primeiro lugar. A Sofia é como uma filha para mim."
E eu? Eu era a esposa forte. A que entendia. A que aguentava.
Até que deixei de aguentar.