A Máscara Caiu: A Verdade da Família Patterson
img img A Máscara Caiu: A Verdade da Família Patterson img Capítulo 1
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Capítulo 1

Na noite em que o meu filho morreu, o céu estava limpo, sem uma única nuvem.

Ele teria feito três anos no dia seguinte.

O bolo que encomendei, com um foguetão azul, estava na mesa da sala de jantar, intocado.

O meu marido, Pedro, estava sentado no sofá, com os cotovelos nos joelhos e a cabeça entre as mãos.

Eu olhava para o espaço vazio no chão, onde o meu filho costumava brincar.

O silêncio na casa era pesado, quebrado apenas pelo tique-taque do relógio.

Decidi que o nosso casamento tinha acabado.

Peguei no meu telemóvel e disquei o número da minha sogra, a mãe de Pedro.

A chamada demorou a ser atendida. Finalmente, a voz dela soou, irritada.

"Helena? O que queres a esta hora? Estou a ver a minha novela."

A voz dela era fria, como sempre.

"O Tiago... ele morreu."

A minha voz saiu como um sussurro, quase sem som.

Houve uma pausa do outro lado. Depois, ela disse, com uma impaciência clara.

"Morreu? Como assim morreu? Deixaste-o cair? Já te disse que não sabes tomar conta de uma criança."

As palavras dela não me surpreenderam. A culpa era sempre minha.

"Não. Ele estava doente. Febre alta. Eu liguei ao Pedro, mas ele não atendeu."

"Claro que ele não atendeu! A Sofia estava a ter uma crise de pânico. O Pedro teve de a levar ao hospital. A miúda mal consegue respirar sozinha, coitada. É sobrinha dele, tem prioridade."

Sofia. A sobrinha de dezasseis anos do Pedro, filha da irmã dele.

"O meu filho estava a morrer, e a prioridade dele era uma crise de pânico?"

"Não sejas dramática, Helena. Crianças ficam com febre. Tu é que entraste em pânico por nada e agora aconteceu o pior. O Pedro fez o que tinha de fazer. A família vem primeiro."

Fechei os olhos. O meu filho não era família?

"Quero o divórcio, Pedro."

Disse isto em voz alta, para que ele ouvisse do sofá.

Ele levantou a cabeça. Os seus olhos estavam vermelhos, mas não de tristeza. Era raiva.

"Divórcio? O nosso filho acabou de morrer e tu falas em divórcio? Não tens coração?"

A minha sogra ouviu do outro lado da linha e gritou.

"Estás a ouvir, Pedro? Ela quer o divórcio! Esta mulher é um monstro! Eu sempre te disse que ela não prestava! Ela matou o meu neto e agora quer abandonar-te!"

Desliguei o telemóvel. Não conseguia mais ouvir.

Pedro levantou-se e veio na minha direção.

"Tu não podes fazer isto. Não agora. Precisamos um do outro."

"Não," respondi, a minha voz firme pela primeira vez naquela noite. "Eu precisei de ti hoje. O Tiago precisou de ti. E tu escolheste a Sofia."

"Ela é uma criança, Helena! Ela estava assustada!"

"O Tiago também era uma criança! Ele tinha febre de 40 graus! Eu liguei-te vinte e sete vezes, Pedro. Vinte e sete. E tu rejeitaste todas as chamadas."

Ele não tinha resposta para isso. Apenas olhava para mim, a sua raiva a transformar-se em algo que parecia desespero.

"Eu não pensei que fosse tão grave."

"Claro que não," disse eu, com um riso amargo. "Nunca é grave quando se trata de mim ou do Tiago."

Virei-lhe as costas e fui para o quarto. A mala que eu tinha preparado há meses estava debaixo da cama.

Ele tinha razão numa coisa. Se o Tiago ainda estivesse vivo, eu provavelmente teria ficado. Teria engolido a dor, pelo meu filho. Para lhe dar uma família.

Mas agora, o Tiago já não estava aqui. A única razão que me prendia a esta casa, a esta vida, tinha desaparecido.

Ficar só me faria odiar-me mais.

E a crise de pânico da Sofia? Era mesmo uma emergência? Ou era apenas mais uma forma de ela e a mãe dela manipularem o Pedro, de o manterem por perto, longe de nós?

Ele pensou no Tiago quando rejeitou as minhas chamadas? Pensou no seu próprio filho, a arder em febre?

Provavelmente não. Se se importasse, teria atendido a primeira chamada. Ou a segunda. Não me teria ignorado vinte e sete vezes.

A dor no meu peito era uma coisa física, pesada. Lembrei-me do pânico que senti, sozinha na ambulância. Lembrei-me do rosto do médico a dar-me a notícia.

O meu filho tinha sido tirado de mim, e o pai dele estava a consolar outra pessoa.

O telemóvel do Pedro tocou. Era a irmã dele, a mãe da Sofia.

Ele atendeu imediatamente, a sua voz cheia de preocupação.

"Clara? Como está a Sofia? Ela acalmou-se? Sim, sim, eu sei. Não te preocupes. Eu vou já para aí."

Ele desligou e olhou para mim, quase a pedir desculpa.

"A Sofia está muito abalada. Precisa de mim."

Eu não disse nada. Apenas o observei a pegar nas chaves do carro.

Ele parou à porta.

"Helena, por favor. Não tomes nenhuma decisão precipitada. Falamos amanhã."

Depois, ele saiu. Deixou-me sozinha na casa onde o nosso filho morreu, para ir consolar a sobrinha.

Amanhã. Para ele, haveria sempre um amanhã.

Para mim, o meu mundo tinha acabado hoje.

            
            

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