O advogado que a Ana encontrou chamava-se Dr. Carvalho.
O seu escritório era no centro da cidade, com uma vista impressionante sobre o rio.
Ele era mais velho, com cabelo grisalho e um fato caro. Ouviu a minha história sem me interromper, os seus olhos fixos em mim.
Quando terminei, ele inclinou-se para a frente.
"Dona Helena, primeiro que tudo, os meus pêsames. O que lhe aconteceu é uma tragédia inimaginável."
A sua voz era calma e transmitia autoridade.
"Temos dois caminhos aqui. O divórcio é o mais simples. Dada a negligência dele, podemos argumentar por uma divisão de bens favorável à senhora, apesar do vosso regime de casamento."
"E o segundo caminho?" perguntei.
"O segundo caminho é uma ação cível por danos morais e, potencialmente, uma queixa-crime por homicídio por negligência."
Ele fez uma pausa.
"É um caminho mais longo e muito mais doloroso. Vai expor todos os detalhes da sua vida, da morte do seu filho. A família dele vai lutar com unhas e dentes. Vão tentar culpá-la, desacreditá-la. Está preparada para isso?"
Olhei para as minhas mãos, pousadas no meu colo.
Lembrei-me da voz da minha sogra a chamar-me monstro. Lembrei-me do Pedro a sair porta fora para ir ter com a sobrinha.
Lembrei-me do silêncio no quarto do Tiago.
"Sim," disse eu. "Estou preparada."
O Dr. Carvalho assentiu lentamente.
"Muito bem. Então vamos começar. Preciso de todos os registos de chamadas, mensagens, qualquer prova que tenha da sua tentativa de contacto e da recusa dele."
"Eu tenho tudo no meu telemóvel."
"Ótimo. A minha equipa vai tratar do resto. Vamos pedir os registos hospitalares, os relatórios da polícia. Vamos construir um caso sólido."
Saí do escritório dele a sentir-me mais forte. Pela primeira vez desde a morte do Tiago, senti que não estava completamente sozinha e impotente.
Tinha um plano. Tinha um objetivo.
Quando cheguei ao apartamento da Ana, ela estava à minha espera com um prato de comida.
"Então?"
"Vamos processá-los. Por tudo."
A Ana sorriu. Um sorriso feroz.
"Bom. Finalmente."
Enquanto comia, o meu telemóvel não parou de vibrar. Mensagens do Pedro, da sogra, da Clara.
"Helena, és louca? Um advogado?"
"Vais destruir esta família por vingança?"
"Pensa no que estás a fazer. Vais arrepender-te."
Apaguei as mensagens sem as ler até ao fim.
Mais tarde, naquela noite, recebi um email. Era do Pedro.
O assunto era: "Pelo amor do Tiago".
Abri-o.
Era uma longa carta, cheia de auto-piedade. Dizia que me amava, que amava o Tiago, que estava destruído. Dizia que a família dele estava a sofrer, que a Sofia estava traumatizada.
E no final, ele escreveu:
"Se realmente amaste o nosso filho, para com isto. Não manches a memória dele com uma luta suja nos tribunais. Deixa-o descansar em paz."
Usar o nome do meu filho contra mim.
Aquele foi o momento em que a minha tristeza se transformou completamente em gelo.
Ele não entendia.
Eu não estava a fazer isto por vingança.
Estava a fazer isto por justiça. Pelo Tiago.
Porque se eu não lutasse por ele, ninguém mais o faria.