Acordei com o som constante de um bip.
Um hospital.
O cheiro a antisséptico encheu as minhas narinas. Uma máscara de oxigénio cobria o meu rosto.
A minha primeira preocupação foi o meu bebé. Coloquei a mão na minha barriga. Ainda estava lá, grande e redonda. Senti um movimento fraco, um pequeno pontapé.
Respirei fundo, um alívio doloroso a percorrer o meu corpo.
A porta do quarto abriu-se.
Eram Marcos, a sua mãe, a Sra. Almeida, e o seu pai.
Eles não pareciam aliviados por me ver acordada. Pareciam... irritados.
"Sofia, finalmente", disse a minha sogra, a sua voz fria como gelo. "Assustaste-nos a todos."
Marcos aproximou-se da cama. Ele tinha fuligem na testa e as roupas estavam sujas.
"Como te sentes?", perguntou ele, mas a sua voz não tinha calor.
Tirei a máscara de oxigénio. "O que aconteceu? Porque é que me deixaste lá?"
Ele suspirou, um som de impaciência. "Não sejas dramática, Sofia. O fogo começou na cozinha, perto da escada principal. A Laura estava na sala de estar, mais perto da saída dos fundos. Era lógico salvá-la primeiro."
Lógico.
"E as joias? O álbum de fotografias? Isso também era lógico?", a minha voz tremia.
A Sra. Almeida interveio. "Essas são heranças de família! Insubstituíveis! Tu estavas segura no andar de cima, longe das chamas iniciais. Sabíamos que os bombeiros chegariam a tempo."
Sabiam?
Eles estavam a dizer-me que tinham calculado o risco da minha vida contra objetos e a conveniência de salvar outra mulher.
"Eu podia ter morrido", sussurrei, o horror da situação a instalar-se. "O nosso bebé podia ter morrido."
"Mas não morreu", disse Marcos bruscamente. "O médico disse que tu e o bebé estão estáveis por agora, mas que precisas de evitar o stress. E é exatamente isso que estás a fazer, a criar stress."
Olhei para ele, para o homem com quem me casei, o pai do meu filho. Não vi remorso no seu rosto. Vi justificação.
"A Laura está bem?", perguntei, a palavra a saber a veneno na minha boca.
"Ela está em choque", disse o meu sogro pela primeira vez. "A coitada está traumatizada. A tua sogra está a cuidar dela. Ela é muito mais sensível que tu."
Mais sensível que eu.
Eu, que estava grávida de oito meses, presa num incêndio, abandonada pelo meu marido, e agora estava num hospital a lutar pela vida do meu filho.
Mas a Laura, que foi levada para a segurança em primeiro lugar, era a que precisava de cuidados.
Senti uma náusea que não tinha nada a ver com o fumo.
Eles não estavam arrependidos. Eles estavam a defender as suas ações.
Na mente deles, eu era o problema.