A minha declaração de divórcio não foi bem recebida.
No dia seguinte, a família Almeida veio em força.
A minha sogra entrou no quarto primeiro, o seu rosto uma máscara de fúria.
"Divórcio? Como te atreves a dizer essa palavra nesta casa... neste hospital?", sibilou ela.
"A minha família não acredita em divórcio. Casamento é para sempre. Na saúde e na doença."
"E no fogo?", perguntei, a minha voz sem emoção. "Onde estava o meu marido quando eu estava a sufocar?"
"Já te explicámos!", gritou Marcos, entrando atrás dela. "Foi uma decisão de segundos! Tu estás a transformar um acidente num drama!"
"Um acidente que me custou o meu filho", respondi, olhando diretamente para ele.
"Isso foi uma tragédia, uma infelicidade", disse o meu sogro, com a sua voz grave e autoritária. "Mas usar isso como desculpa para destruir uma família é vergonhoso. Estás a agir como uma criança mimada."
Eles cercaram a minha cama de hospital. Três contra uma.
Eles não estavam ali para me consolar. Estavam ali para me intimidar, para me forçar a recuar.
"Tu estás a passar por um trauma, Sofia", disse Marcos, tentando um tom mais suave, mas que soava falso. "Não estás a pensar com clareza. Estás a ser influenciada pelas hormonas, pela dor."
Gaslighting. Estavam a tentar fazer-me acreditar que eu era louca.
"A Laura está destroçada com o que aconteceu", acrescentou a Sra. Almeida. "Ela sente-se tão culpada. E tu, em vez de mostrares alguma compaixão, estás a pensar em ti mesma."
A menção do nome dela foi como gasolina no fogo.
"Não quero saber da Laura", disse eu, a minha voz a subir pela primeira vez. "Ela não é nada para mim. Tu", disse eu, apontando para Marcos, "és meu marido. O teu dever era para comigo. E falhaste."
"Eu não falhei!", ele gritou, o seu rosto a contorcer-se de raiva. "Eu salvei uma vida! E salvei as coisas da minha mãe! O que querias que eu fizesse, que deixasse tudo arder?"
"Sim", respondi simplesmente. "Eu queria que me salvasses a mim. E ao teu filho."
Um silêncio pesado caiu sobre o quarto.
Eles olharam para mim como se eu fosse um monstro.
"Não vamos permitir um divórcio", declarou o meu sogro. "Vais para casa, vais recuperar, e vamos esquecer esta conversa ridícula. És uma Almeida agora. Começa a agir como tal."
Eles saíram do quarto, deixando-me com a sua ordem.
Mas eles não entendiam.
A Sofia que eles conheciam, a mulher que tentava agradar, que aguentava os seus comentários e a presença constante da Laura, essa mulher tinha morrido no fogo com o seu filho.
A mulher que restava não era uma Almeida.
Era apenas ela mesma. E ela estava livre.